O primeiro troféu de nível 1000 escapou por poucos games, diante de uma adversária de imenso currículo e competência. Beatriz Haddad Maia concluiu sua semana histórica na quadra sintética de Toronto com o espírito lutador e a atitude empolgante que levaram até o Rei Pelé a se declarar seu torcedor. Alcançou com louvor o sucesso e seu desempenho em todos os campos sinaliza que há muita alegria vindo por aí.
Bia me pareceu um tanto tensa em vários momentos da equilibrada partida, mas acima de tudo no primeiro set, o que é absolutamente normal. Muito mais experiente, Simona Halep também estava nervosa e não escondeu isso. E olha que a ex-número 1 por 64 semanas possui dois Grand Slam e disputava sua 42ª final no circuito.
É muito mais produtivo, no entanto, enxergar o que cada uma fez de bom para ser competitiva. Bia aproveitou o começo tenebroso da adversária para abrir 3/0, mas assim que a romena achou seu ritmo e arriscou menos o primeiro saque dominou os seis games seguintes.
Bia mudou radicalmente de postura logo na abertura do segundo set e parou de trocar tanta bola. Foi para cima, raramente batendo duas vezes no mesmo lugar, e se agigantou, mesmo com índice muito baixo de acerto do primeiro saque (46% nesses dois sets).
O começo da série final foi decisivo para o resultado da partida. Halep salvou dois break-points, obteve depois a quebra e viu Bia reagir. Mesmo sacando bem melhor – o aproveitamento subiu para 82% -, veio a quebra definitiva no quarto game. Nesse momento, Halep já havia mudado a tática. Usava bolas mais altas, baixando os erros ao mínimo possível, e se dispunha a correr, o que deixava o trabalho de ataque – e de risco – para a oponente. Deu certo e não houve qualquer chance de recuperação da brasileira.
O resumo da semana é altamente positivo para Bia, e não estou falando em termos de ranking ou de prêmio. Em situações muito distintas e diante de adversárias poderosas, utilizou os mais diferentes recursos para avançar numa chave duríssima. Por vezes foi sólida e paciente, sacou com grande qualidade. Em outras, defendeu-se muito melhor do que jamais fez, buscou contragolpes magníficos e ditou o ritmo do jogo. O físico e a concentração estiveram impecáveis e as escolhas táticas, dela e do time, se mostraram sempre adequadas.
Subiu vários degraus e pode comemorar também o 16º posto do ranking, objetivo que era traçado para depois do US Open. “Evoluir todos os dias é o que me move”. Muito animador ouvir isso.
Batalha recomeça em Cincinnati
Tudo o que se deseja agora é que Bia aproveite o embalo, as experiências adquiridas e a confiança em alta para outro grande desafio, que começa já na terça-feira em Cincinnati. Logo de cara, reencontro com Jelena Ostapenko que é uma luta direta pelo 15º posto do ranking, uma vez que a letã está apenas 24 pontos à frente.
Ostapenko ganhou os dois duelos entre elas, o primeiro na final de Seul em 2017 e o outro na segunda rodada de Miami de 2018, porém obviamente Bia é uma tenista muito superior hoje. Todo mundo conhece o poder de fogo dos golpes de Ostapenko, que ao menos tempo é muito elétrica e pode errar demais. Vejo boa chance.
Em caso de vitória, virá então a vencedora de Madison Keys e Yulia Putintseva, adversárias respeitáveis na quadra dura. A norte-americana aliás ganhou Cincinnati, em 2019, e foi semi do Australian Open em janeiro. E se tudo der certinho, Bia reencontrará Iga Swiatek nas oitavas, a menos que Alizé Cornet tire Sloane Stephens e surpreenda a polonesa de novo, como fez em Wimbledon.
No nível que Bia atingiu, não dá mesmo para esperar jogos fáceis ou adversárias fracas. E isso é justamente o que deve elevar cada vez mais a qualidade do seu jogo. Em entrevista recente a TenisBrasil, seu técnico Rafael Paciaroni enfatizou isso. “O ambiente é decisivo na evolução. Estar treinando, jogando, convivendo com as melhores jogadoras do mundo obrigará Bia a estar o tempo todo buscando sua melhor versão e atenta a novos aprendizados. Novas soluções para novos problemas”. Ele me parece certíssimo.
Em ótima forma, Bia também confirmou presença na chave de duplas, onde voltará a fazer parceria com Anna Danilina. O dueto é o nono colocado no ranking da temporada e busca pontos valiosos em Cincinnati e no US Open para se manter na luta por vaga no Finals.
E mais
- Este foi o primeiro título de Halep na parceria com o francês Patrick Mouratoglou, ex-técnico de Serena Williams. A romena contou que estava desmotivada e pensando em parar e que o novo treinador lhe deu energia. O 24º troféu da carreira e nono de nível 1000 recolocam Halep no sexto lugar do ranking.
- Com outra grande atuação, o espanhol Pablo Carreño faturou com justiça um título um tanto improvável no começo da semana. Tirou Berrettini e Sinner, fez uma semi incrível de três horas contra Evans no sábado à noite e por fim reagiu neste domingo em cima de Hubert Hurkacz para se tornar o terceiro novo campeão de Masters 1000 da temporada, ao lado de Fritz e Alcaraz.
- Hurkacz, tal qual havia acontecido com Alcaraz, perdeu a invencibilidade que tinha em finais na carreira. Ele buscava o sexto título seguido.
- Aos 18 anos, Coco Gauff será a nova líder do ranking de duplas. Ela ganhou seu segundo 1000 em Toronto ao lado de Jessica Pegula, a mesma parceria que foi à final de Roland Garros. O recorde de idade permanece com Martina Hingis, que liderou as duplas aos 17 (e o de simples, aos 16).
- Thiago Monteiro levou virada na rodada final do quali de Cincinnati e terá de torcer por duas desistências na chave para entrar de lucky-loser.