Madison Keys é finalmente uma campeã de Grand Slam. A conquista do Australian Open no último sábado premia uma das tenistas mais competentes da última década e que se acostumou a chegar a fases finais de grandes torneios e desafiar as melhores do mundo.
Desde que alcançou sua primeira semifinal de Slam aos 19 anos, também na Austrália em 2015, Keys conviveu com a pressão e expectativas. E mesmo antes da conquista em Melbourne, já carregava números respeitáveis: Sete semifinais de Slam, uma final do US Open em 2017, outros nove títulos de WTA, incluindo um de nível 1000 em Cincinnati e vitórias sobre grandes nomes. Ainda assim, ela sentiu por muito tempo que precisava da validação de uma grande conquista.
Fora das quadras, Keys sempre causou impactos positivos para o esporte desde muito jovem. E uma conquista também é uma oportunidade para dar visibilidade aos projetos abraçados pela campeã. Na coletiva de imprensa após a vitória sobre Aryna Sabalenka, número 1 do mundo e bicampeã do torneio, norte-americana dedicou bastante tempo para falar sobre terapia e a preparação mental. E não apenas no âmbito esportivo, mas também num processo de autoconhecimento e aceitação.
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“Desde muito jovem, senti que, se eu nunca vencesse um Grand Slam, não teria alcançado as expectativas que as pessoas tinham de mim. Esse foi um peso muito grande para carregar por muitos anos. Deixar de lado esse tipo de cobrança interna foi o que me deu a liberdade para conquistar um Grand Slam. Aceitei que mesmo que isso nunca acontecesse, eu não precisaria de um troféu para considerar minha carreira boa ou merecedora de reconhecimento como uma uma grande tenista”, declarou Keys neste sábado em Melbourne.
Mensagens negativas nas redes e preocupação com o mundo digital
Mas o envolvimento da tenista com a temática da saúde mental no esporte é de longa data. Ainda em 2017, ela participou de uma campanha da revista norte-americana Tennis a respeito do abuso online que os atletas recebem nas redes sociais. Ela leu em voz alta algumas das mensagens que recebia depois das derrotas, inclusive ofensas, ameaças e racismo. O vídeo já tem quase oito anos, mas continua super atual, ainda porque atletas de diferentes modalidades são frequentemente atacados nas redes por apostadores, trolls ou haters. Um comportamento que precisa ser coibido e combatido sempre. Não dá para achar graça, como alguns fizeam parecer neste Australian Open…
“As redes sociais não 100% legais. Muitas vezes recebemos comentários agressivos, me chamam de ‘câncer do tênis’ ou de ‘macaca'”, declarou à época. “Algumas mensagens certamente ultrapassam os limites e me fazem me sentir insegura. Geralmente são mensagens relacionadas à minha família. Eu me lembro de ligar para minha mãe e minha agente e dizer: ‘Sinto que preciso fazer algo positivo para um mundo'”.
O desejo de causar impacto positivo transcendeu o esporte. Ainda naquela época tornou-se voluntária e embaixadora de um projeto chamado Fearlessly Girl, visitando escolas e conversamos com as meninas sobre os desafios de uma vida de adolescente e forrmar redes de apoio para aquelas que estivessem sofrendo. Com duas irmãs mais novas, acostumou-se a liderar pelo exemplo. E anos depois, em 2020, a semente cresceu e ela deu início ao próprio projeto, chamado Kindness Wins, que é administrado pela mãe, Christine.
.@Madison_Keys shares her experience with cyberbullying. #BullyingPreventionMonth pic.twitter.com/IvtjXHHTPj
— Tennis Channel (@TennisChannel) October 11, 2017
Superação de derrotas, lesões e o time que nunca desistiu
Ao longo da semana em Melbourne, Keys admitiu que pensou que sua hora nunca chegaria. Uma dura derrota para a mesma Aryna Sabalenka na semifinal do US Open de 2023, quando aplicou um ‘pneu’ no primeiro set, mas perdeu os outros dois em tiebreaks, demorou a ser digerida. “Estaria mentindo se dissesse que não senti aquela derrota. Foi muito duro estar tão perto de uma final e não conseguir. Foi uma derrota que demorou um tempo para que eu pudesse me curar. Mas ao mesmo tempo eu dizia a mim mesma que se continuasse trabalhando e dando o meu melhor, não haveria nada que eu não pudesse fazer”, disse após a vitória sobre Iga Swiatek na semifinal da última quinta-feira.
Já no ano passado, sofreu com duas graves lesões. Ela não disputou o Australian Open por problemas no ombro e abandonou sua partida das oitavas em Wimbledon por lesão no tendão da coxa. A norte-americana saiu de quadra chorando por não conseguir terminar o jogo contra Jasmine Paolini. Os anos estavam passando, jovens jogadoras vinham dominando o circuito e a sensação de que novas oportunidades não chegariam aumentava. Era o momento de cuidar do corpo, mas também da mente.
“Fiz muita terapia. No passado, tentei seguir mais o caminho da terapia esportiva, com foco em rotinas. Mas para realmente evoluir, precisei encarar como me sentia e ser honesta comigo mesma. Eu não queria me enxergar como alguém que estava lutando internamente, mas a verdade é que eu estava enfrentando muitas dificuldades”, revelou neste sábado. “Buscar ajuda de verdade e conversar sobre o que sentia, não apenas sobre o tênis, mas também sobre como eu me via como pessoa, foi transformador. Honestamente, acredito que, se não tivesse feito isso, não estaria aqui hoje”.
O apoio da equipe de entes queridos também fez a diferença. A tenista é treinada pelo marido, Bjorn Fratangelo, que chegou a ser número 99 do mundo na ATP, mas encerrou a carreira de jogador em 2023. Os dois se casaram em novembro. E durante a cerimônia de premiação de seu primeiro Grand Slam, ficou emocionada ao falar do companheiro e de todos que acreditaram nela. “Eu queria esse título há tanto tempo e já estive em uma final de Grand Slam antes e não consegui vencer. Não sabia se conseguiria voltar a esta posição para tentar ganhar um troféu novamente, mas meu time acreditou em mim quando eu não acreditava em mim mesma”.
Final masculina: Uma formalidade
Tenista dominante nos principais torneios em quadra dura no ano passado, ao conquistar o Australian Open, US Open e o ATP Finals, Jannik Sinner iniciou a temporada defendendo o título em Melbourne. E no encontro entre números 1 e 2 do mundo, o italiano tornou a disputa com Alexander Zverev uma formalidade e sem grandes emoções.
Sinner não enfrentou break-points na vitória por 6/3, 7/6 (7-4) e 6/3. Além da atuação dominante, ele também foi preciso em pontos decisivos, como no rali com 21 trocas de bola que possibilitou a ele confirmar o serviço quando perdia o segundo set por 6/5. Foi talvez o momento em que a partida poderia ter mudado de rumo, mas italiano fechou a porta. No terceiro set, com um rival cabisbaixo e sem oferecer resistência, administrou a vantagem de forma protocolar.
Agora com 21 vitórias consecutivas no piso duro, carregando a maior série invicta da carreira, Sinner agora tenta evoluir em outros pisos para ampliar a coleção de títulos de Grand Slam. Ele já fez uma semifinal de Roland Garros e uma em Wimbledon. “Você precisa ser um jogador completo, não apenas em uma superfície, mas também nas outras duas. Ainda sou jovem e acho que tenho tempo para me ajustar, especialmente na grama”.
As Vi(c)tórias do Brasil
Os torneios de jovens no Australian Open terminam com grande destaque para as Vi(c)tórias do Brasil. Com apenas 15 anos, Victória Barros teve o melhor resultado de uma juvenil do país em Melbourne, ao avançar duas rodadas e chegar às oitavas, em que foi superada pela japonesa de 18 anos Shiho Tsujioka. Com uma vitória a mais, ela poderia se juntar a um trio formado por Niege Dias, Dadá Vieira e Gisele Miró, entre as brasileiras com quartas em Grand Slam na categoria. Mas novas oportunidades vão aparecer e a evolução no jogo foi importante. Ela terá o melhor ranking da carreira na ITF, próxima do top 30 em sua categoria.
Já no torneio juvenil do tênis em cadeira de rodas, a mineira Vitória Miranda conquistou os títulos de simples e duplas, repetindo o feito da brasiliense Jade Lanai no US Open de 2022. E não foi uma surpresa. Vitória já havia alcançado as duas finais em Nova York no ano passado e também a de duplas em Paris. E como o técnico Leo Butija falou ao blog em dezembro, era o momento de buscar objetivos maiores. “A Vitória é um talento nato, com um potencial enorme. Já faz três anos que estamos treinando com ela quase todos os dias e acreditando que ela pode conquistar grandes coisas. A vontade dela não é mais de só participar, ela quer ganhar”.
Líder do ranking juvenil em sua modalidae, Vitória já vislumbra a transição para o profissional, mas também disputará os Grand Slam na base este ano. Acostumar-se ao ambiente que ela pretende ocupar como adulta é uma experiência enriquecedora nessa fase da carreira. “À medida que os resultados forem aparecendo, a gente vai diminuir a participação nos torneios de Júnior e focar no profissional”.
A festa foi em dobro para Leo Butija e o tênis mineiro em cadeira de rodas. Isso porque Luiz Calixto, também de 17 anos, foi campeão nas duplas. A história de vida do tenista foi marcada por uma reviravolta. “Há três anos, eu o descobri vendendo paçoca a rua, converso com ele e trago pra quadra de tênis. A intenção era de tirá-lo da rua, para que ele não ficasse uma criança com deficiência vendendo bala. Mas logo que ele tem seus primeiros contatos com o tênis, ele gosta e se apaixona. Seu desenvolvimento tem me surpreendido.
Títulos para o Japão e a Suíça
Entre os campeões do Australian Open juvenil, Henry Bernet é um suíço da Basileia e que executa o backhand com apenas uma das mãos. Lembrou alguém? A boa notícia é que pelas declarações dele, parece lidar bem com as inevitáveis comparações. “Estou apenas tentando me desenvolver, fazer minha própria jornada. Obviamente sempre haverá algumas comparações. Isso não é um problema para mim. É uma motivação também”. A presença do técnico Severin Luthi, que carrega uma experiência enorme, é outro trunfo na equipe do suíço.
Já na disputa feminina, a japonesa Wakana Sonobe é mais um exempo de persistência. A canhota de 17 anos e finalista do último US Open disputou seu nono Grand Slam juvenil para enfim conquistar um título, dominando a final contra a norte-americana Kristina Penickova em 54 minutos. O foco agora é ganhar um torneio profissional ainda em 2025. Parece pouco, mas fica mais uma lição sobre a importância dar tempo ao tempo.
Excelente materia. Suas abordagens sao normalmente muito interessantes e equilibradas. Parabens.
Ps: muito merecida a vitoria da Keys e grandes resultado para os garotos e garotas!
Agradeço muito, Marcos.
Mais um post super informativo. Obrigado Mário Sérgio Cruz.
A trajetória, as próprias cobranças e a maneira como lidou com as pressões internas e externas e ainda os projetos extra-quadra são exemplares. O teu texto excelente e mais que oportuno, Mário Sérgio, deveria ser adotado pelos juízes e ter sua leitura e cópia diária como forma de punição por pelo menos um ano para haters e todos os tipos de criminosos que fazem uso das redes sociais para atacar tenistas do mundo inteiro. (Risos)
Sim, cada vez mais a gente precisa repensar o uso das redes sociais para fazer delas um ambiente mais saudável e propositivo.
Ótimo texto, Mário
Não consigo separar atleta do homem, o que ele faz numa quadra é ótimo, mas é necessário ter um caráter no qual me sinta confortável, onde não preciso de contursionismo para explicar determinadas atitudes.
Jamais conseguiria “idolatrar” um indivíduo com manchas morais (é algo que tenho dificuldades de compreender).
No caso específico da Keys, mostra uma busca incessante para melhorar como individuo, é uma jornada dura, já que carregamos muitos “fantasmas” (o peso é grande).
Viver é igual aquele rádio antigo, quando procuramos uma emissora e precisamos fazer a “sintonia fina” para ouvir nitidamente (os mais velhos entenderão).
Kays é um ser humano admirável, deve ser respeitada por isso.
(A jogadora de tênis é apenas um adicional a mais).