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Burzagli: “Bia influencia jogo mais agressivo das brasileiras”

Roberta Burzagli (Foto: Gabriel Heusi/CBT)

por Mário Sérgio Cruz

Capitã da equipe brasileira da Billie Jean King Cup, Roberta Burzagli é também uma treinadora de referência em processos de formação de jogadoras. Com vasta experiência no circuito internacional, ela já teve a oportunidade de acompanhar jovens talentos com a equipe da ITF nos principais eventos do circuito juvenil. E por acompanhar de perto, ela atesta a melhora na qualidade técnica no tênis feminino praticado no Brasil, mas destaca a importância de repensar alguns processos de formação e estilo de jogo dominante das jogadoras no país.

Para Burzagli, a maneira como o tênis é ensinado para as meninas no Brasil e na América do Sul nem sempre é a ideal para um cenário competitivo no alto nível, especialmente na Europa. Isso ocorre, segundo ela, porque “a maioria dos técnicos, não só no Brasil, mas na América do Sul, estão acostumados a treinar homens. E as meninas acabam sendo treinadas iguais e para jogar da maneira igual”, disse Burzagli a TenisBrasil, durante o confronto contra a Coreia do Sul na Billie Jean King Cup, em Brasília.

“O tênis sul-americano é jogado de uma maneira diferente da que tem sucesso hoje em dia, que é uma maneira mais agressiva e mais em cima da linha. É preciso ter um pouco mais de conscientização de que é o mesmo esporte, mas jogado de maneiras diferentes. E tem que ser ensinado de uma forma diferente”, ponderou a treinadora.

A consolidação de Beatriz Haddad Maia na elite do circuito, após terminar duas temporadas seguidas no top 20 do ranking, pode influenciar as novas gerações a buscar um tênis mais agressivo e competitivo em torneios internacionais. “Uma influencia da Bia e das meninas que estão no alto nível está fazendo com que mais meninas tenham coragem de jogar dessa maneira”, afirmou. “É preciso estar mais dentro da quadra, pegar bola mais na subida e cortar o tempo da adversária. A mulher não é tão forte fisicamente para cobrir a quadra da maneira como o homem cobre, ela não tem a mesma força no braço para dar os mesmos efeitos. Então tudo isso tem que ser treinado de uma maneira diferente”.

Após a vitória do Brasil por 4 a 0 contra a equipe sul-coreana, há duas semanas, o sorteio realizado neste domingo definiu o próximo confronto. A equipe brasileira reencontra a Alemanha nos dias 12 e 13 de abril pelo Qualificatório Mundial da competição, buscando vaga na fase final. Será a oportunidade de revanche para o time que Bia Haddad, Laura Pigossi, Carol Meligeni e as duplistas Luísa Stefani e Ingrid Martins, superadas pelas alemãs em Stuttgart no início deste ano. “Achei que foi um bom sorteio. Agora teremos a chance de uma revanche contra elas, desta vez, jogando em casa e podendo escolher as condições para esse confronto. A equipe vem se fortalecendo a cada confronto. Com certeza coisas positivas virão”.

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Confira a entrevista com Roberta Burzagli.

Em primeiro lugar, parabéns pela recente vitória sobre a Coreia do Sul. Gostaria de uma avaliação sua sobre como foi o último confronto em Brasília:
Acho que, sim, havia um favoritismo da nossa equipe pelo ranking e pelas conquistas individuais que todas as jogadoras tiveram, mas a partir do momento que a gente entra na quadra, o placar está zero a zero. Então, tem que ter a humildade de viver o presente e lutar ponto a ponto. É “um grãozinho de areia”, como se diz. Além disso, todas elas estão acostumadas a viajar com os técnicos próprios e têm suas próprias rotinas, então colocar todas juntas como equipe também foi um trabalho importante também a se fazer, além é claro de ter uma energia positiva em quadra.

E que balanço que você faz desses anos que está com a equipe, desde o Zonal? Já é a terceira vez seguida com as cinco juntas, contra a Argentina, Alemanha e agora a Coreia. O quanto essa equipe tem amadurecido e quais as perspectivas para o futuro desse time?
A equipe em si cresceu muito, é o que a gente fala nas nossas reuniões. Cada uma cresceu individualmente e nós também como equipe. Há cinco anos a gente estava jogando o Zonal aqui na América do Sul, o ranking delas não era tão bom e elas eram muito jovens, não tinham passado por tantas experiências. Eram jogadoras e pessoas diferentes. E além delas terem crescido, a comissão técnica é a mesma e nunca foi mudada. A gente tem uma confiança maior em nós mesmas e isso influencia bastante.

Hoje, além de capitã, você viaja com muitas jovens jogadoras pela equipe da ITF. Você sente que hoje as tenistas brasileiras, principalmente nessa geração mais nova, que está chegando, estão mais próximas do alto nível em comparação com o que você via alguns anos atrás?
Com certeza. Inclusive, uma das meninas da Coreia, a Sohyun Park, viajou comigo durante dois anos. Quero até falar um pouco sobre isso, porque o fato de eu conhecer várias jogadoras auxilia bastante nesse meu trabalho de capitã. Tudo bem, já faz alguns anos que elas eram juvenis, mas as características não mudam tanto.

Outra coisa, é que estão surgindo muitas meninas brasileiras no juvenil que estão jogando bem e da maneira correta. Acho que o tênis sul-americano é jogado de uma maneira diferente da que tem sucesso hoje em dia, que é uma maneira mais agressiva e mais em cima da linha. Uma influencia da Bia e das meninas que estão no alto nível está fazendo com que mais meninas tenham coragem de jogar dessa maneira. E tendo as juvenis dentro da equipe, elas vão sair daqui falando para as outras como que é a vida de uma tenista desse nível.

Foto: Luiz Cândido/CBT

Eu ia chegar até nesse ponto, falando sobre mudar o jeito que o tênis é praticado aqui no Brasil. Aqui a gente joga muito atrás da linha, correndo e mandando muita bola para cima. Isso, principalmente no tênis feminino, quando você vai para fora, tem um choque de realidade. O que pode ser feito para mudar esse estilo de jogo dominante? Como capacitar técnicos focados especificamente no tênis feminino e na realidade do circuito atual?
Acho que é um pouco do que você falou. A maioria dos técnicos, não só no Brasil, mas na América do Sul, estão acostumados a treinar homens. Então, é por isso que as meninas acabam sendo treinadas iguais e para jogar da maneira igual.

É preciso ter um pouco mais de conscientização de que é o mesmo esporte, mas jogado de maneiras diferentes. E tem que ser ensinado de uma forma diferente, não a técnica de empunhadura e essas coisas, mas a tática de estar mais dentro da quadra, pegar bola mais na subida e cortar o tempo da adversária. A mulher não é tão forte fisicamente para cobrir a quadra da maneira como o homem cobre, ela não tem a mesma força no braço para dar os mesmos efeitos. Então tudo isso tem que ser treinado de uma maneira diferente.

Eu acabei de ir a um workshop mundial da ITF e falei numa palestra junto com o Marcos Daniel sobre as diferenças do tênis masculino para o tênis feminino. E a gente deu exercícios específicos para cada circuito. Fiz isso porque quero ajudar o tênis feminino na América do Sul.

No masculino a gente vê muitos pontos ganhos com o saque, e no feminino é mais com a devolução. Então até a dinâmica de pensar o jogo é diferente e que pode exigir demais do físico delas…
Sim, e complementando. É importante as meninas irem para a Europa mais cedo para vivenciar como é o tênis lá fora. Não adianta nada eu vir aqui e falar: ‘Você tem que jogar dessa maneira’. Elas têm que sentir isso. Você só vai entender quando ver como elas jogam.

A gente também teve a Billie Jean King Cup Junior e o Brasil chegou às quartas, é o melhor resultado desde 2013, e perderam nas quartas para os Estados Unidos, que conquistaram o título. E como você tem visto as juvenis? Tem contato direto com elas, não só com a equipe de 16 anos, mas por exemplo com a Olívia [Carneiro], a Victória [Barros] e a [Carolina] Bohrer?
Foi muito boa a campanha, porque elas ganharam da Argentina, que elas tinham perdido aqui na final do Sul-Americano de 16 anos. É a Fernandinha Ferreira que está lá acompanhando a equipe. Com a Olívia, tive contato pela equipe da ITF no ano passado e ela também foi convidada para treinar com a equipe da Billie Jean King Cup, na Alemanha. Foi muito bom ter esse contato com ela. A Pietra [Rivoli] também foi para a Alemanha.

E eu acabei indo como representante da ITF para o Sul-Americano, no Paraguai, quando elas foram vice-campeãs. Lá eu não podia falar nada, mas foi bom poder vivenciar o dia a dia delas. Teve uma semana de treinamento também antes do torneio de Feira de Santana, que a CBT proporcionou. E lá estavam a Carol Bohrer, Olívia, Pietra, Ana Candiotto e a Isabeli Andreola. Elas puderam treinar também com a Carol Meligeni, que já é profissional. Foi bom passar alguns dias treinando e a CBT até deu wildcard para elas no torneio. Esse contato é super importante.

Foto: André Gemmer/Green Filmes

Como você consegue acompanhar o dia a dia da Victória e da Bohrer que têm bases fora do Brasil? Você tem contato com os técnicos delas?
Com a Carol Bohrer eu falo bastante, e às vezes também com o pai dela. Com a Victória Barros eu falo bastante por mensagem. Ainda não estive com ela, mas terei essa oportunidade nas próximas semanas. Estou seguindo para o Eddie Herr e Orange Bowl nos Estados Unidos com a equipe da ITF, ela vai jogar esses torneios. Então, com certeza vou dar uma olhadinha nela. Acho que ela está jogando um tênis muito bom, está na Europa, acredito que está sendo treinada para jogar como as europeias. Ela ainda é muito jovem e muito talentosa e tem que passar pelos processos de amadurecimento. Espero que esteja em boas mãos, mas pelo que eu vejo pelos treinos que a equipe dela posta, parece estar no caminho certo.

Você foi a última juvenil brasileira a conquistar o Banana Bowl em 1991. E a gente tem visto cair várias escritas, muitas desde 89 ou 90 (duas jogadoras no top 100, títulos de WTA, vitórias em Grand Slam, vitória contra top 5…) Este ano tivemos a Olívia na semi. Você acha que no futuro próximo, podemos ver cair mais essa escrita?
Assim espero! Foi em 91 que eu ganhei o Banana Bowl! E eu sempre digo, podia ter só um pouquinho de apoio naquela época, comparado com o que a gente tem hoje. Naquela época era tudo muito difícil. Mas hoje em dia, as chances para que uma menina brasileira ganhe um Banana Bowl estão crescendo. Acredito que nos próximos três ou quatro anos, vamos voltar a ganhar.

O que projetar para o ano que vem para a equipe da Billie Jean King Cup, pensando no novo duelo com Alemanha no Qualificatório Mundial e mirando a vaga na fase final, que seria inédito para o Brasil?
A gente está com uma equipe muito boa e muito completa, todas elas estão tendo resultados individuais muito bons. E agora também como equipe. Acho que foi um 4 a 0 relativamente controlado, não fácil, e até a dupla jogou muito bem. A Ingrid debutando na Billie Jean King Cup deu um show e a Luísa, como sempre. Então a gente pode almejar coisas boas. Achei que foi um bom sorteio. Agora teremos a chance de uma revanche contra elas, desta vez, jogando em casa e podendo escolher as condições para esse confronto. A equipe vem se fortalecendo a cada confronto. Com certeza coisas positivas virão.

E como foi a experiência de ter jogado em casa, ainda mais nesse momento tão especial para o tênis feminino no Brasil?
Foi muito bom. Acho que o público presente ficou até o final, mesmo com o confronto já definido. Todo mundo prestigiou, pegou autógrafos e pediu fotos para as jogadoras. Acho que o tênis feminino está num momento muito bom e vai puxar outras jogadoras, com certeza. Tem um monte de menininhas querendo tirar fotos com elas. É muito legal tudo isso.

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