Mário Sérgio Cruz
Especial para TenisBrasil
Recomeço é uma das muitas palavras que podem simbolizar a vitoriosa carreira de Rafael Nadal, que se encerrou nesta terça-feira, com a eliminação da Espanha nas quartas de final da Copa Davis, superada pela Holanda por 2 a 1. Ao longo de mais de duas décadas de dedicação ao tênis, desde sua estreia como profissional ainda aos 15 anos em 2001, Nadal precisou recomeçar várias vezes. Foram vários, e por diferentes motivos, os afastamos por lesões e que exigiam trilhar longos caminhos até voltar ao seu melhor nível. A disciplina e a superação do espanhol construíram enorme legado e inspiraram gerações de novos jogadores.
“Minha carreira é mais longa do que eu jamais pude imaginar”, declarou Nadal, aos 38 anos, em seu discurso de despedida, ainda em quadra. Multicampeão, com 22 títulos de Grand Slam e um domínio do saibro com 14 conquistas em Roland Garros, o espanhol passou por momentos de muita dor e dúvida. Será que ele poderia voltar vencer, ser competitivo, estar entre os melhores e ser campeão? E nos acostuamos com uma máxima: Nunca duvide de Rafael Nadal.
É seguro dizer que os fãs mais antigos de tênis já ouviram, ou quem sabe até disseram: “Jogando assim, Nadal não chega aos 30 anos e vai parar cedo”. Afinal, seu estilo de jogo nos primeiros anos de carreira, aguentando firme os longos ralis de fundo exigia muito físico. E as lesões o acompanharam desde cedo: ora no joelho, ora nos punhos… Além de uma fissura muscular na região abominal e uma recente cirugia no quadril já nos últimos anos de circuito. A superação das adversidades e os retornos vitoriosos fizeram do espanhol um dos maiores na história do tênis.
Último Grand Slam com o pé anestesiado
Diagnosticado com a síndrome de Muller-Weiss, doença degenerativa que afeta o osso navicular do pé, o escafoide do tarso, Nadal precisou jogar com palmilhas especiais nos pés. E em seu último título de Grand Slam, Roland Garros em 2022, atuou com o pé totalmente anestesiado.
“Eu consegui jogar durante essas duas semanas em condições extremas. Tenho jogado com injeções nos nervos para adormecer o pé, e é por isso que consegui jogar durante essas duas semanas. Meu médico conseguiu aplicar injeções anestésicas nos nervos. Isso tira a sensibilidade do meu pé”, relatou o espanhol na coletiva de imprensa após a vitória sobre Casper Ruud na final daquele ano. “Então, é claro que Roland Garros é Roland Garros. Todo mundo sabe o quanto esse torneio significa para mim, então eu queria continuar tentando e me dar uma chance aqui. Essa foi a única maneira que encontramos. Mas é óbvio que não posso continuar competindo com o pé dormente”.
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Em seus muitos recomeços, Nadal teve que se reinventar como jogador para se manter competitivo diante de diferentes gerações do circuito. Tornou-se mais agressivo, desenvolveu seu jogo para diferentes pisos, foi campeão na grama e na quadra dura. E em seu primeiro título do US Open, em 2010, contou com um saque devastador para completar a prateleira de troféus de Grand Slam. Mesmo com tantas pedras no caminho, construiu uma carreira longeva, com 1.080 vitórias e 93 títulos no circuito da ATP, sendo 63 Masters 1000 e com 209 semanas como número 1 do mundo.
Público brasileiro presenciou um dos vários retornos
O público brasileiro pôde acompanhar de perto um dos vários recomeços de Nadal. Isso aconteceu no Brasil Open de 2013, no Ginásio do Ibirapuera. O evento na capital paulista foi um dos que marcaram o retorno do espanhol, recuperado de uma grave lesão no joelho. Ele não havia disputado o US Open de 2012 e nem o Australian Open de 2013. Uma semana antes, foi finalista em Viña del Mar. E com um pouco mais de ritmo de jogo sagrou-se bicampeão em solo brasileiro.
Nadal fez uma grande temporada naquele ano de 2023, conquistando 10 títulos. Foram mais dois Grand Slam, Roland Garros e US Open, cinco Masters 1000, em Indian Wells, Roma, Madri, Montréal e Cincinnati, além dos 500 de Acapulco e Barcelona. Com grandes resultados tanto no saibro quanto no piso duro, voltou à liderança do ranking mundial.
Inúmeros fãs dentro e fora de quadra
As conquistas de Rafael Nadal a longevidade no alto nível criaram uma legião de fãs, inclusive dentro de quadra. Foram inúmeros os jogadores inspirados pelo espanhol. Basta ir a qualquer torneio juvenil e presenciar camisas do espanhol entre a garotada. Seu nome é frequentemente citado entre “quem é seu jogador favorito?” ou “qual é sua primeira lembrança no tênis”.
Ciente de sua importância e do legado construído, Nadal sempre atendeu jovens jogadores, com fotos, autógrafos e mensagens de carinho. Alguns espanhóis tiveram que carregar o peso de serem chamados de “Novo Nadal” quando começaram a destacar. Tenistas como Javier Martí e Carlos Boluda tiveram que conviver com injustas comparações e não conseguiram cumprir no circuito profissional as grandes expectativas neles depositadas. Martí ainda fez uma boa carreira de técnico e ajudou Paula Badosa a se firmar no alto nível do circuito da WTA.
Mas dois dos principais nomes da atualidade no tênis, Iga Swiatek e Carlos Alcaraz, são admiradores declarados de Nadal desde o início de suas carreiras e sempre se inspiraram nas conquistas e nas atitudes do ídolo. Ela com 23 anos e ele com 21 já acumulam conquistas de Grand Slam, cinco da polonesa e quatro do espanhol. Multicampeões desde muito jovens, eles são dois dos principais postulantes a manter o legado de Nadal para novas gerações do tênis.
“Você foi e ainda é a maior inspiração que já tive no tênis”, declarou Swiatek quando Nadal anunciou o fim de sua carreira. “É razão pela qual às vezes eu ficava mais motivada e continuava me esforçando. Obrigada por isso e também por ser uma pessoa tão incrível fora da quadra. Sua humildade é algo que não é tão comum quando você vê outros atletas tendo sucesso. Você é aquele que sempre foi honesto consigo mesmo e verdadeiro consigo mesmo. Obrigada por ser uma pessoa tão boa”.
Já Alcaraz teve o privilégio de disputar partidas de duplas ao lado do ídolo nos Jogos Olímpicos de Paris. “É algo que eu nunca vou esquecer. Aprendi muito conversando com ele na quadra e fora dela também. Acho que jogamos um ótimo tênis em duplas, mesmo que não estejamos acostumados a jogar com muita frequência. Sinto que poderíamos fazer melhor, mas no geral, ficamos felizes. E, obviamente, alcancei meu sonho que se tornou realidade: Jogar duplas ao lado do Rafa”, declarou o espanhol.
Mas mesmo com tantas conquistas, Nadal foi simples ao dizer como gostaria de ser lembrado: “Os títulos e os números estão lá. As pessoas provavelmente sabem disso. A maneira como eu gostaria de ser lembrado mais é como uma boa pessoa, de uma pequena vila em Mallorca”.
And that’s how we’ll always remember you, Rafa#DavisCup #Rafa #GraciasRafa pic.twitter.com/XWEGT35anq
— Davis Cup (@DavisCup) November 19, 2024