Há pouco mais de um mês, enquanto o mundo do tênis se preparava para Roland Garros, João Fonseca e sua equipe divulgaram um calendário priorizando a temporada de grama. Cientes das grandes chances de entrar no quali de Wimbledon com seu ranking, o que não seria possível em Paris, o carioca de 17 anos foi conhecer um terreno pouco explorado pelos brasileiros e demais sul-americanos.
Fonseca disputou os challengers de Surbiton e Nottingam. E também estava inscrito para Ilkley, mudando de planos após receber o convite para o ATP 500 de Halle. E teve sua primeira experiência como profissional em um Grand Slam na última segunda-feira, quando foi superado no tiebreak do terceiro set pelo espanhol Alejandro Moro Cañas.
E logo depois da derrota, em um jogo definido por margem mínima, foi alvo de críticas pela escolha de calendário. Por que jogou tão poucos torneios no saibro europeu, onde provavelmente teria mais chances de avançar, para jogar num piso em que só havia atuado como juvenil? A resposta foi imediata e clara: É hora de pensar no futuro.
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Um dia depois de ter atuado no quali de Wimbledon, Fonseca foi convidado para participar da série de exibições do Hurlingham Club, evento que ganhou prestígio nos últimos anos com a chegada de patrocinador forte. Jogando solto, sem a pressão ou responsabilidade do resultado, atuou em bom nível contra o australiano Alexei Popyrin e venceu por 7/6 e 6/3. Seu desempenho foi elogiado pelo rival, vencedor de dois torneios da ATP.
Perguntado ainda na quadra sobre a escolha por torneios na grama, Fonseca justificou a ideia: “Joguei quatro semanas na grama e as pessoas no Brasil me disseram que eu estava louco, porque não é minha superfície favorita”, disse Fonseca após o jogo. “Mas estou pensando no futuro e em desenvolver meu jogo. Quero jogar em Wimbledon e fico feliz por jogar esse tipo de evento. Faz parte do processo para que eu possa evoluir como jogador”.
Joao Fonseca🗣️
“My idol always gonna be Roger (crowd cheers). Nowadays, I look at Sinner and Alcaraz.”
“Ppl from Brazil call me crazy for playing 4 weeks on grass. It’s not your fav surface. What are you doing? I say I’m looking for my future to develop my process as a player.” pic.twitter.com/RwQjLkpJcb
— TennisONE App (@TennisONEApp) June 25, 2024
O hype e o hater
É natural que exista uma expectativa enorme para cada torneio que Fonseca disputar. Ainda mais sob a lupa de termos praticamente todos os seus jogos transmitidos ao vivo, inclusive em challengers ou exibições, e observados pelos fãs e adversários, pela imprensa e demais profissionais do tênis. E também por usuários e perfis de redes sociais, que escolhem seus heróis e vilões a cada dia. Do hype ao hater sem escalas. E não é nada saudável ser submetido a esse tipo de julgamento. Thomaz Bellucci e Bia Haddad já passaram por isso e falaram publicamente sobre o assunto.
Foi possível ver de perto no Rio Open ou nas demais experiências na ATP que Fonseca é um jogador com potencial enorme. Mas algumas derrotas, por mais doloridas que sejam, fazem parte do processo. E o próprio João sabe disso e é muito bem orientado. Que fique claro que todas as escolhas de sua carreira nesse momento têm que ser pensando no futuro. Ele ainda é um jogador em formação. E daqui a alguns anos, já vai carregar a bagagem de ter passado pelo maior número possível de experiências que vão ajudá-lo durante jogos mais duros. Torcedores, calma. Ele vai ficar bem.
Passo importante para Vitória e Naná na Europa
No circuito juvenil, as duas últimas semanas foram de resultados positivos para duas jovens brasileiras de 14 anos, a potiguar Victória Barros e a paulista Nauhany Silva, em torneios da ITF na Europa, contra adversárias até quatro anos mais velhas.
Victória foi finalista do J300 de Bamberg, na Alemanha, venceu quatro partidas na semana e só foi parada pela japonesa de 18 anos Mayu Crossley, ex-top 5 juvenil e que já está em transição para o tênis profissional. Em Haia, na Holanda, Nauhany Silva chegou à semifinal de um ITF J100 e só foi superada pela cabeça 2 do evento, a holandesa de 17 anos Britt Du Pree. Duas ótimas semanas, que foram devidamente valorizadas, e com resultados que devem ser encarados com naturalidade, mesmo se elas tiverem algumas oscilações nos próximos eventos.
Nas redes sociais, Victória relatou que este foi seu último torneio no saibro em 2024. Os dois próximos compromissos serão na grama, no ITF de Roehampton e o quali de Wimbledon, onde disputará seu primeiro Grand Slam como juvenil. Treinando há um ano e meio na academia de Patrick Mouratoglou, na França, a potiguar atingiu o melhor ranking da carreira no 53º lugar e fica em situação confortável até para buscar uma vaga direta no US Open e ter margem no calendário para se desenvolver física e tecnicamente e também jogar os primeiros torneios profissionais. Tudo com muito planejamento.
Durante o Roland Garros Junior Series, disputado em São Paulo no mês de abril, pude conversar com o técnico Leo Azevedo, head-coach da Rede Tênis Brasil e que acompanha o desenvolvimento da Naná e outros juvenis, como Guto Miguel e Pietra Rívoli, no dia a dia. A mentalidade é clara nos processos de longo prazo. “O que a gente tem que fazer é prepará-la pensando lá na frente. A gente tem que olhar para o jogador e pensar como a gente imagina a Nauhany daqui a três, quatro ou cinco anos. Ter uma visão maior e de longo prazo. A gente sabe que no Brasil, que tem uma cultura mais futebolística, é difícil. As pessoas são resultadistas, mas é preciso ter visão de longo prazo. O projeto tem que mostrar: ‘Daqui a um ano, a gente quer estar aqui. Daqui a três, estar aqui’. E os jogadores têm que saber que estão dentro de um plano”.
Se com Fonseca já é preciso ter paciência com todos os processos, com as duas meninas (e outras tantas que chegarem nos próximos anos), mais ainda. Há um longo caminho pela frente com as delas, sem necessidade de comparações entre uma e outra ou com fenômenos estrangeiros, como a Mirra Andreeva e a Hannah Klugman. Em todos esses anos nessas indústria vital, já presenciamos muitos “novos Gugas”, “novos Nadais” e “novas Serenas”. Mas tudo acontece no seu tempo, Victória e Naná têm direito às suas próprias histórias, estão sob ótimos cuidados e ainda nos darão muitas alegrias.
Eu noto que em geral a sociedade brasileira já tem uma capacidade crítica bem baixa. Aliado a isso temos a cultura futebolística de torcer onde no domingo é um genio e no outro domingo um imprestavel e precisa demitir o tecnico. E por fim a facilidade/impunidade de escrever qualquer coisa escondido atrás de uma tela produzem um rio de chorume por esses comentários afora.
Exatamente. Ainda bem que os técnicos e responsáveis pelo desenvolvimento dos jovens tenistas não levam em consideração o imediatismo e idiotices de alguns “torcedores”.
No comentario original que foi editado eu falei sobre “capacidade critica e intelectual baixa” e não quis que isso soasse grosseiro. Eu falo sobre os mais de 40 anos de sucateamento da educação em geral (tanto publica quanto privada) que produziu cidadãos muito limitados no sentido de que hoje é bastante comum vermos jovens se formando no ensino médio e até na universidade mesmo sendo analfabetos funcionais. Não quis ser ofensivo e sim analisar um gap da nossa sociedade em geral e que contribui pro rio de chorume que é escrito nos comentarios por aí.
Você tem toda razão, a nossa cultura futebolística aliada ao sucateamento da educação tem produzido um déficit critico, uma dificuldade de argumentar e fazer avaliaçôes mais consistentes!
Fonseca fez o correto. Se ele e seu staff visam a elite, tem que levar a grama a sério e não só ir pra receber o prize como a maioria dos outros brasileiros.
Pois é… Não fazia mais sentido continuar jogando no saibro naquela altura, ainda mais que já estava na Europa e poderia aproveitar para jogar em torneios profissionais na grama, que praticamente não existe por aqui. E mais, em uma entrevista o João disse que quer ter chances de vencer todos os Slams no futuro o que sem treino e vivência ficaria complicado.
Exato. O gerenciamento de carreira do Fonseca é completamente diferente do gerenciamento de carreira do Monteiro por exemplo. O Monteiro já está em uma fase onde vai priorizar remar nos challenger de saibro, pagar os boletos, fazer ranking e quando chegar um M1000 no hard ou Wimbledon ele vai entrar direto, fazer o que der e sacar o checão gordo. E não há demérito nenhum nisso, é um gerenciamento de carreira inteligente e digno. Já o Fonseca tem 17anos e almeja ser top, almeja bater de frente com Sinner e Alcaraz. Se almeja bater de frente com esses caras, precisa por a cara na grama, ganhar rodagem e fazer a gira completa nem que perca todas primeiras rodadas por 2, 3 anos seguidos como fez o Sinner. Fonseca busca ser um top completo e os tops completos tambem jogam na grama e vencem Wimbledom, ponto.
Texto muito relevante. Você explicou de forma clara e precisa, Mário. Espero que o Dalcim demore bastante para se aposentar, mas conforta saber que a Tênis Brasil continuará em alto nível quando isso acontecer.
Concordo totalmente
Só uma coisa: vocês que estão aí “colados” nos jogadores precisam parar com essa coisa de chamar de hater qualquer um que faz qualquer crítica aos jogadores brasileiros. Sei que estão aí “colados” com eles e precisam agradá-los para ter em troca informações, entrevistas, etc.
Mas o público em geral não tem essa necessidade. Meligeni mesmo era uma que “metia o pau” em todo mundo, depois que virou comentarista na TV e foi demitido uma vez ele mudou, voltou defendendo INVARIAVELMENTE qualquer jogador brasileiro. Sabemos que ser um atleta de alto rendimento é algo extremamente difícil, e ficar entre os 100 melhores de uma modalidade como o tênis já é muita coisa, mas se a torcida critica é porque acredita.
Não defendendo ofensas e xingamentos, mas se é exagero esse tipo de coisa, também é exagero chamar de Hater quem faz uma simples crítica.
Críticas, desde que sejam feitas com respeito e com conteúdo, são importantes. Mas o teor de alguns comentários é completamente desmedido, ainda mais para jogadores dessa idade.
Desenha que é difícil
Por isto que sempre posto: “Devagar com o andor que o santo é de barro”, pois tudo tem seu tempo e este povo só quer saber de resultados imediatos.
Quando os comentários são compostos por palavras ofensivas, desmedidas e maldosas, as pessoas que os escreveram devem ser chamados de Haters, sim. Por aqui mesmo a maioria dos comentários deste tipo é escrito por apostadores frustrados que deveriam evitar colocar dinheiro em um esporte de que, claramente, não entende nada, para justamente não vir cobrar desnecessária e demasiadamente os jovens jogadores que estão em desenvolvimento.
O apostador frustrado faz a mesma coisa que o defensor incondicional que quer agradar sempre para ter informação e entrevista.
E também para puxar o saco.
Eu tenho a consciência tranquila de que nunca precisei bajular ninguém em troca de entrevistas ou informações. Minha trajetória profissional, dentro e fora do tênis, sempre foi pautada por ética e respeito. E assim pretendo seguir. Aliás, é muito cômodo para uma pessoa que se esconde por trás de um pseudônimo fazer esse tipo de ilação. Sem mais para o momento. Obrigado.
Os cães ladram mas a caravana passa, Mário. Siga em frente!
A crítica: “ruim demais esse cara, precisa trocar o tecnico, se continuar assim vai ser jogador de challenger, nao sei pra que jogar na grama sendo q nao acerta uma bola, muito hype nesses moleques que nao ganharam nada ainda”. Ai fica dificil neh…..
Exato. As infames “Críticas Construtivas” que querem que aceitamos. Agora, nos poupar de ler tanta asneira e desserviço ninguém quer, né?
Não acho legal ver pessoas criticando mas também não é correto censurar a crítica, desde que não seja ofensiva. Liberdade de expressão é isso, alguém poder escrever e publicar aquilo com o que vc não concorda.
Estou falando justamente das críticas ofensivas e desmedidas apenas. Reconheço as críticas construtivas que de, quando e quando, aparecem por aqui.
Excelente texto Mário. Obg.
É impressionante como muita gente fala sem profundidade.
O ditado “A natureza deu-nos duas orelhas e uma só boca para nos advertir de que se impõe mais ouvir do que falar.”, de Zenão de Cítio, nunca foi tão necessário qt nestes tempos de redes sociais.
Muito bom. Esses jovens são jóias raras, sendo dilapidadas. Neste mundo moderno, em que vivemos, devem servir de exemplo para tantas crianças e adolescentes. Estão saudáveis, fazendo esporte ao ar livre e se divertindo. É assim que deve ser. Com naturalidade se alcança a maturidade. Parabéns a todos eles, sem exceção. Vcs merecem.
Excelente texto. Algumas pessoas levam sua frustração pessoal para criticas pesadas sem fundamento algum. Alguns tontos falando que o Fonseca deveria mudar o tecnico, sem sequer saber o nome e qualificação do atual. O Fonseca pensa em brigar lá em cima, e por isto tem que ser bom em todas as superficies.
Excelente texto Mário, acompanho seus textos há um bom tempo aqui no blog. É a primeira vez que comento, e parabéns. Lúcido, atento aos detalhes, sabe do que está falando. Parabéns!!
Oq acontece com tenistas que revelam ter um potencial enorme mas não alcançam o que se espera?
Talvez seja essa desconfiança do pessoal com o fisenda, no mais acho que vcs dão muito crédito e atenção a comentários vomitados por pessoas que não entendem do ofício. Acho que cabe mais a nós e o próprio jogador ignorar e deixar serem felizes com seus monologoss. Quando não dermos mais antenção esses comentários param, podem reparar, eles querem atenção, nós damos e prejudica o jogador num ciclo sem fim, vamos parar?
O João é reconhecidamente um fenômeno, um jogador fora de série, com um futuro brilhante à frente, se tudo der certo. Tem a grande vantagem de já ter nascido rico e em uma família de apaixonados por esporte, então não há pressa para ganhar dinheiro, além de poder ter ótimos profissionais em seu entorno.
Mas considero que ficou muito tempo sem competir, desperdiçando preciosos pontos e experiência em jogos ao encerrar prematuramente a gira no saibro e vir treinar para a grama…no Brasil???!!!
Experiencia? Justamente o que ele buscou em treinamento e jogos na grama. Ainda mais participar de um grande torneio (convidado). Voce acha que ele ganharia mais experiencia jogando um challenger no saibro por miseros pontos?
O treino na grama é para no futuro ter maiores chances de ganhar Wimbledon, né? Não faz sentido treinar para ganhar nada apenas no Brasil que, por enquanto, só tem um torneio de destaque.