Calendário, o eterno vilão

E lá vamos de novo discutir o calendário do tênis, assunto quase tão batido e insolúvel como a arbitragem no futebol brasileiro. A série de abandonos de quadra e encerramento precoce de temporada de jogadores de diferentes níveis colocam outra vez o tema em debate. Será que existe solução?

O tênis tem uma programação contínua desde o primeiro minuto da temporada, com o aquecimento para o Australian Open, e termina em novembro. Os melhores estarão nos Finals ou eventualmente na decisão da Copa Davis, outros ainda vão peregrinar por challengers que se estendem no limite autorizado. Férias mesmo só de 15 dias, porque os outros 15 serão ocupados com a preparação para o novo ano.

Todos sabemos que aqueles que terminam no top 30 da temporada anterior têm a obrigação de disputar os 12 principais torneios do ano seguinte, ou seja, os quatro Grand Slam e oito dos nove Masters. A exceção são tenistas de maior idade e currículo extenso, caso atual de Novak Djokovic.

O formato atual permite que os top 100 moderem seu começo de temporada. Até março, disputarão o Australian Open e algum aquecimento, depois poderão optar por um torneio médio na Europa ou Oriente Médio e por fim se dedicar a Indian Wells e Miami, dois Masters que hoje ocupam o mês inteiro de março.

O problema para os homens começa em abril. A temporada de saibro é esmagadora, com três Masters e um Slam num período de dois meses, embora Monte Carlo seja opcional. Mas todo mundo anda jogando lá. A troca de piso em si já exige uma adaptação especial e o encerramento com cinco sets em Roland Garros leva a um esgotamento bem natural.

Não há espaço. Poucos conseguem saltar os preparatórios da grama antes de encarar Wimbledon, embora Djokovic tenha ensinado que isso é totalmente possível. Os promotores no entanto não economizam em gordos cachês para levar estrelas a seus 500, caso de Barcelona lá no saibro e de Queen´s e Halle na grama. A primeira parte da temporada termina e a demanda física e mental geralmente terá sido bem grande.

Existe um espaço de descanso e recuperação até recomeçar a fase de quadra dura, mas o normal é que apenas os grandes nomes se deem ao luxo de pular tantas semanas. Quem precisa de ranking e encher os bolsos, encara uma sequência dura, com um 250 ou o 500 de Washington antes dos Masters do Canadá e Cincinnati, que foram enfim estendidos a 10 dias e assim ficam menos próximos ao US Open. Tem sido raro ver os grandes nomes fazerem a sequência inteira, geralmente penalizando o torneio canadense. Isso tudo já sob o forte verão do Hemisfério Norte.

Por fim, a temporada dá um passeio pela Ásia, onde estamos agora com um clima estafante, e finaliza no piso coberto europeu, mudança drástica de temperatura, quando então já está a pleno vapor a corrida pelo Finals e pelo top 10. Todo jogador de ponta recebe bônus de seus patrocinadores se terminar entre os 10 primeiros e daí a pressão por resultados continua.

Ainda assim, se olharmos os ponteiros do ranking, raramente alguém disputa mais do que 25 torneios numa temporada. O “recorde” de momento são 24 nos últimos 12 meses de Alexander Zverev, Alex de Minaur e Karen Khachanov. O único a chegar perto de 30 torneios entre os 20 mais bem colocados é Andrey Rublev, com 29, seguido pelos 28 de Alexander Bublik. Observemos que Holger Rune, Daniil Medvedev ou Casper Ruud mal chegam a 23. Na faixa dos 30 primeiros, o único exagero cabe a Luciano Darderi e seus 35.

Ou seja, existe um equilíbrio estabelecido há algum tempo que é preciso conter o calendário e os que mais jogam geralmente são os que perdem mais precocemente, ou seja, fizeram menor número de partidas. Darderi, no exemplo citado, tem 50 jogos de ATP feitos.

Toda essa contabilidade, no entanto, não considera os dias de treino, na quadra e na academia, ou o deslocamento constante. São fatores que pesam consideravelmente. Ao esticar os Masters para 10 dias e dar maior intervalo entre os jogos, a ATP talvez não tenha pensado que cada dia de “folga” é na verdade um dia de trabalho, de rotina. A soma de todos esses esforços leva ao esgotamento. Começam a faltar pernas e cabeça.

Mas perguntem para algum tenista fora do top 30 se eles querem uma redução do calendário. Na distribuição financeira de hoje, eles querem mais chances de jogar e faturar. Foi um dos fatores que levou a ATP a aumentar as chaves de quase todos os Masters e assim premiar mais gente com o direito de competir nos grandes eventos. Os menos afortunados também viram um inchaço de challengers e ITFs, o que aumenta oportunidades mas reforça o desgaste. Vejam o caso do nosso João Lucas Reis: 53 partidas já feitas em 23 torneios.

A primeira solução, a meu ver, estaria num aumento substancial de premiação, que permitisse reduzir a quantidade de jogos e torneios feitos. Isso no entanto pressionaria ainda mais os jogadores pelo ranking, já que haveria menor espaço para manobras. Então a outra mudança seria recuperar o antigo “ranking por média”, em que se divide a pontuação pelos campeonatos. Quanto a ATP criou o sistema atual de 18 torneios válidos, o intuito era justamente fazer os tenistas jogarem mais e mais, uma vez que podem descartar os desempenhos mais negativos. Por último, embora mais complicado, seria criar um espaço de algumas semanas no meio da temporada para recuperação, como faz a Fórmula 1.

Uma certeza: nada vai mudar em 2026, que já tem calendário determinado com mínimas alterações. Resta aos jogadores se unirem, sentarem à mesa e discutirem com a ATP, que afinal é seu sindicato, e com os promotores uma fórmula mais humana e digna. Dessa maneira, ficaremos livres do retrato triste das últimas semanas, com tantos abandonos e, mais grave ainda, de jogadores importantes cedendo a estafa emocional.

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Luiz Fabriciano
Luiz Fabriciano
4 horas atrás

“Poucos conseguem saltar os preparatórios da grama antes de encarar Wimbledon, embora Djokovic tenha ensinado que isso é totalmente possível.”

Espero que SR leia esse trecho, bem lido.

Sérgio Ribeiro
Sérgio Ribeiro
1 hora atrás
Responder para  Luiz Fabriciano

Quem fazia isso de verdade era Bjorn Borg . Djokovic passou a fazer depois de não levar Título algum em Queen’s e na rapidíssima Halle . Os dois maiores vencedores na Grama Sagrada, Federer ( 19 Conquistas) , Sampras ( 10 ) , também não atoa , são os maiores em Wimbledon com 8 e 7 , respectivamente. Sinner e Alcaraz fazem questão de não seguir ” goat ” de maneira alguma . Onde vai parar Tourinho Assassino que aos 22 , já possui 4 Títulos na superfície???. Abs !

Armando
Armando
4 horas atrás

Mas Dalcim, jogadores reclamam e na semana seguinte é exibição aqui, UTS ali, Laver Cup acolá, Natal nas arábias….. Reclamam, mas quando tem a oportunidade de encher o bolso, estão lá.
Complicado, mas é um novo normal dos dias de hoje, reclamar de tudo, achar uma desculpa para baixo desempenho, etc etc.

Andre Borges
Andre Borges
3 horas atrás

Acredito que um calendário de 18/20 torneios no ano, que resulta em 32/35 semanas de jogo seja totalmente digno pra um tenista se manter saudável. A questão física pra mim parece balela de top que quer mais espaço no calendário pra Lavers Cup e Arabias da vida onde a exigência técnica, física e mental eh beeeem menor e a grana corre solta. A questão da saúde mental sim é uma questão real. Pro baixo clero acredito que aumentando a distribuição de premiação pros menores torneios já ajude bastante.

Sérgio Ribeiro
Sérgio Ribeiro
1 hora atrás
Responder para  Andre Borges

Balela de TOP ???. Estás brincando, meu caro. Roger Federer em 2011 , estabeleceu 17 e se não fosse acidente doméstico, jogaria em altíssimo nível até os 40 . Djokovic seguiu a fórmula e faz milagres aos 38 . Nadal abusou mais e chegava morto ao Final das Temporadas , daí Zero Finals. Felizmente Sinner e Alcaraz não pensam igual a ti . Jovem Italiano ficou 65 Semanas Consecutivas como N 1 , aplicando a fórmula para a longevidade. A conferir. Abs !

Ronildo
Ronildo
3 horas atrás

Os master 1000 tem que voltar a ser de 7 dias e os torneios da Ásia e Oriente Médio deveriam ser todos entre janeiro até março, como preparatórios para o AO que também deveria ser realizado no final de março.

Sérgio Ribeiro
Sérgio Ribeiro
1 hora atrás
Responder para  Ronildo

Infelizmente AOPEN é um baita sucesso abrindo a Temporada, caro Ronildo. Mas urge voltar os Masters para 7 dias . Acredito ser a única unamidade no Conselho dos Tenistas profissionais da ATP . Abs !

Maurício Sabbag
Maurício Sabbag
2 horas atrás

Contexto complicado e solução depende de negociação. O que não vai ser simples a dita cuja, porque pelo que entendi, os interesses dos “Top/Deuses do Olimpo” nem sempre são os mesmos dos mortais mais abaixo no ‘ranking’.

Eduardo P.
Eduardo P.
2 horas atrás

Os Masters de 10 dias realmente alongam o calendário sem dar a contrapartida do descanso. Foi uma tentativa, mas que não parece ter funcionado.

Existem 2 fatores que são cruciais na discussão e ninguém leva em consideração.

O primeiro fator é o horário dos jogos. É extremamente desgastante jogar na faixa das 10h às 14h.

O segundo fator é o clima. Grande parte dos torneios acontece no ápice do calor de cada cidade. Deveria haver uma redistribuição para que os torneios tivessem um clima mais ameno.

Maurício Sabbag
Maurício Sabbag
2 horas atrás

Nole que se cuide na virada de lado entre os ‘games’. Esse Zizou Bergs é um desastrado de mão cheia…

JClaudio
JClaudio
1 hora atrás

Os números não fazem jus ao João Reis.

O brasileiro em 2025, tem 53 jogos em chaves principal de Challengers (em vários países).
Tem ainda 5 jogos em um ITF no Chile
Tem 16 jogos em qualificações, sendo que em quatro torneios não conseguiu chegar na chave principal (perdeu na primeira partida do quali)
João Reis tem mais de 70 jogos em 2025 (quase 30 torneios).
Com muita luta disputou uma partida no quali do USOpen (uma conquista).
Muitas vezes os números da ATP não retratam uma temporada de um jogador do baixo clero.

Fernando S P
Fernando S P
57 minutos atrás

Muito bom ter levantado estes pontos. Em abril-maio existe mesmo um problema sério no calendário. O período é muito curto para acomodar tantos torneios importantes.

Paulista de 63 anos, é jornalista especializado em esporte há mais de 45 anos, com coberturas em Jogos Olímpicos e Copa do Mundo. Acompanha o circuito do tênis desde 1980, tendo editado a revista Tênis News. É o criador, proprietário e diretor editorial de TenisBrasil. Contato: joni@tenisbrasil.com.br
Paulista de 63 anos, é jornalista especializado em esporte há mais de 45 anos, com coberturas em Jogos Olímpicos e Copa do Mundo. Acompanha o circuito do tênis desde 1980, tendo editado a revista Tênis News. É o criador, proprietário e diretor editorial de TenisBrasil. Contato: joni@tenisbrasil.com.br

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