Mário Sérgio Cruz
Da redação
O brasiliense Paulo Saraiva conseguiu nesta terça-feira sua primeira vitória em nível challenger no circuito profissional em Brazzaville, torneio em quadras de saibro no Congo, que distribui US$ 60 mil ao longo da semana, com 50 pontos na ATP ao campeão. Saraiva, de 24 anos e 818º do ranking, venceu o norte-americano de 18 anos Dillon Beckles por 6/2 e 6/3. Seu próximo adversário será o holandês Guy Den Ouden, cabeça 5 do torneio e 341º do mundo.
Saraiva começou a jogar apenas aos 13 anos, em um projeto social de Brasília, e conquistou seu primeiro ponto no ranking de simples da ATP em 2018, quando disputou um ITF em sua cidade natal, mas não conseguia disputar tantos torneios por dificuldades financeiras. Ele voltou ao ranking apenas no fim de 2021, contando com ajuda de apoiadores para se manter no circuito.
“Diferente de 2018, onde tudo era uma mega novidade, hoje sei muito mais sobre eu mesmo e que posso fazer mais ainda. Só preciso continuar com a minha receita de trabalho”, declarou Saraiva, quando voltou ao ranking. “Não tive a melhor base, então ainda tenho algumas lacunas, principalmente por ter jogado muito poucos torneios e saltado muitas etapas na formação. É graças às pessoas que estão comigo que tenho forças para seguir”.
Falando a TenisBrasil após a partida, Saraiva se emocinou com o passo importante da carreira, lembrando das dificuldades que teve e as porrtas abertas pelo tênis: “O esporte me fez crescer bastante e vai me abrir portas para dar um futuro melhor para minha família”, relatou o brasiliense que admite ainda ter dificuldades para viver do esporte e faz alguns sacrifícios para ter uma carreira financeiramente viável. Ele também se mostrou descontente com a federação de seu estado, que não o colocou como elegível para receber uma bolsa-auxílio.
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Outro brasileiro na chave era o catarinense Mateo Reyes, canhoto de 24 anos e 637º do ranking, que perdeu para o tcheco Dominik Kellovsky, 536º colocado, por 5/7, 6/2 e 6/2. Reyes tem duas vitórias em nível challenger na carreira. Nas duplas, Saraiva é o número 230 do mundo e deu um grande salto no ranking depois de ter vencido nove torneios de nível ITF ano passado. Ele e Reyes são os principais cabeças de chave e entram diretamente nas quartas. Os adversários serão o austríaco Maximilian Neuchrist e o alemão Maik Steiner.
Confira a entrevista com Paulo Saraiva
Em primeiro lugar, se puder falar um pouquinho sobre a vitória de hoje:
O jogo foi, em teoria, tranquilo. Com uma hora de partida. Acho que eu rendi bem, consegui sacar bem. Isso acabou encurtando bastante os pontos. E na parte da devolução, meu adversário sacava mais colocado e não tinha muito punch, velocidade e tudo mais. Então, eu conseguia mudar o meu jogo para o meu ponto forte. Foi uma boa estreia, segura. O próximo jogo é bem duro, mas espero render ainda melhor do que hoje.
Quando você voltou para o ranking em 2021, você começou uma campanha para arrecadar fundos para bancar a sua carreira. Financeiramente o quanto é difícil para se manter no circuito e o que você tem feito para ganhar mais e também economizar mais já que as premiaçoes são muito baixas? Jogar torneio de grana, interclubes, dar aulas, encordoar… O Schwartzman outro dia estava lembrando dos quartos que dividia com a mãe quando era juvenil…
Eu passei muitos anos, depois que consegui meu primeiro ponto, dando cabeçada na parede, e acabei perdendo muito tempo com algumas pessoas ao meu lado que não me ajudavam tanto. Eu não consigo viver do tênis. Tenho uma ajuda hoje, mas que não chega nem perto de suprir as necessidades.
O que eu tenho feito para economizar mais é ficar em Airbnb, gosto de viajar com os argentinos, porque eles são dispostos a fazer o que for preciso para jogar. Eles são mais unidos e estão bem dispostos a pagar o preço e não buscar só facilidades. Eu jogo interclubes na França, jogo na Alemanha também.
Mas este ano não vou jogar na Alemanha porque é na época do ano que vou tentar entrar nos challengers. E sempre que posso, prefiro jogar challenger para ter a economia de hotel. Acredito que eu também consigo jogar melhor nesses torneios maiores por conta das condições e também por causa da troca das bolas depois de 7 e 9 games, que me ajudam bastante. Jogo muitos torneios de grana aqui no Brasil e também na França, que tem o melhor circuito de torneio de grana do mundo. Na Itália também é bom, mas é só para os italianos. Mas na França qualquer pessoa pode jogar.
E nesse esquema de torneio em resort, que eu disputei na Tunísia, eu jogava interclubes no domingo e pegava um voo na segunda-feira para Monastir. E se eu chegasse até a final de duplas, ganhando ou perdendo, os torneios iam até o sábado às duas tarde. No mesmo dia eu pegava um voo para a França, onde jogava interclubes no domingo. Fiz isso durante cinco semanas. Mas praticamente eu nem pegava no dinheiro, porque a premiação da dupla era só para pagar a semana. Uso todo o prize money para pagar as despesas. E quando me sobra, eu vou guardando para os próximos tornios.
A secretaria de esporte do GDF deu alguma resposta para você sobre não enquadrar no bolsa atleta do estado? O que eles exigem?
Eu ainda vou conversar com mais pessoas que conhecem um pouco mais. Mas pelo que eu entendi, a Federação Brasiliense de Tênis é quem faz o critério para os atletas serem escolhidos. E o que me disseram de lá é que se conta título de future de simples. E seria um dinheiro que me ajudaria muito para pagar uma estadia e alimentação, o que é uma coisa que estou tentando fazer melhor, mas custa muito dinheiro. E acaba que não é possível porque não tenho esse aporte.
O que eu apurei com a Federação é que o critério para 2025 é uma final ou ser campeão de um torneio internacional. E eu fui o terceiro ou quarto cara com mais títulos de duplas do mundo, além de todo o esforço que eu faço para jogar sem patrocínio. Eles fazem uma regra muito limitada para simples. Ano passado, salvo engano, não teve ninguém daqui que ganhou torneio e acabou indo para o vencedor do ano anterior. Eu não quero entrar em nomes, porque se a gente for pesquisar isso é histórico, tem sempre uma panelinha ou um familiar envolvido no negócio. E quem realmente merece acaba ficando de mãos atadas e sem receber. Eu terminei como número 1 do estado em simples e duplas e não sou elegível para essa bolsa.
O quanto esses títulos de duplas te ajudaram, não só de dinheiro, mas também no ranking e em confiança e de possibilitar que entre em mais torneios. Pensa em focar em duplas para jogar os torneios maiores?
Cara, ajudaram muito! Uma das dificuldades do começo da minha carreira foi que eu comecei muito tarde e queimei muitas etapas, mas os resultados foram acontecer muito rápido. Dentro de três anos eu já estava competindo em um nível legal no juvenil. E as duplas me ajudaram bastante, porque no começo eu jogava um quali, perdia e acabava fcando sem ritmo de jogo, porque a semana acabava num domingo e eu só voltava a jogar no outro domingo.
E as duplas me ajudaram muito financeiramente e também para dar mais ritmo de jogo, para ir sentindo o nível de tênis dos caras da chave principal e poder ter mais contato com eles. Comecei a ter parceiros melhores e ganhar mais jogos. E quando furei essa bolha para ter ranking e entrar em challenger, me ajudou muito para conhecer esse ambiente. Lembro que joguei um challenger em 2021 no Centro Olímpico do Rio de Janeiro e me sentia um ‘patinho feio’ no lugar. E a dupla começou a me meter dentro desse circuito. Tanto que eu comecei a jogar melhor, furar qualis e a me meter em simples pouco a pouco. Sinto que meus resultados vão acontecer mais tarde, porque eu comecei mais tarde e pulei muita etapa. Isso vai ser meio repetitivo, mas faz bastante diferença.
Acho que focar em duplas é uma porta que pode ser aberta futuramente, recentemente conversei com um técnico argentino sobre isso. Hoje eu estou entre os 230 melhores do mundo na categoria. Para um menino que saiu de uma counidade, jogando num projeto social e estar entre os melhores do mundo. E ganhei de jogadores que hoje estão no top 100 de simples. Sinto que esses torneios me ajudaram a ter mais motivação e também a pagar as contas. Eu sigo sonhando, mas deixo a porta aberta sempre. Como tem muito saque, devolução e um jogo muito rápido, traz armas novas para simples.
Apesar de todas as dificuldades que você tem de se manter no circuito, você sente que o tênis de tá condições de dar uma vida melhor, tanto para os seus pais, quanto para os filhos?
Se eu te dissesse que se eu parasse hoje de jogar, a minha caminhada foi linda. Mas por que não parar entre os 230 melhores de duplas e entre os 800 melhores do mundo na profissão? É porque eu sinto que posso fazer muito mais. Eu vejo que tenho nível de tênis para render em um nível maior. Hoje, eu vou a um challenger grande e não me sinto inferior. Como eu falei, fora do habitat. Eu sinto que aqui é o meu lugar. No mínimo, estar nos challengers. Eu preciso de resultados e isso vem com a experiência. Ano passado eu perdi alguns jogos que fizeram a diferença para eu não ter um ranking melhor.
Mas como aprendo bastante rápido, espero aproveitar a experiência de 2024, que foi o ano que eu mais consegui jogar, pagando um preço muito alto, de tirar da boca da minha família para continuar tentando. E eles me apoiam muito nessa decisão. E automaticamente eu vou poder dar uma vida melhor para eles no futuro. Penso em ter uma carreira de uns 15 anos e poder dar uma casa para a minha mãe, dar um aconchego para ela e pagar uma escola para os meus meninos. Seria gratificante. Então o tênis me abriu portas que eu não imaginaria. Hoje eu consigo me comunicar em alguns idiomas, já falo espanhol, me viro em francês por causa do interclubes e o inglês também está bem melhor, o que é necessário. Mas no começo dessa aventura, eu não falava uma palavra.
E espero proporcionar para a minha família para que eles possam aprender com mais conforto. O tênis sempre vai ser uma porta para uma vida melhor, porque se eu paro hoje, eu já treinei com o Alcaraz, conheci a academia do Ferrero, conheço o preparador físico do Alcaraz… E todos os colegas que eu consegui fazer, ainda a gente conversa. Tudo isso que eu tenho te falado são coisas pequenas. O esporte me fez crescer bastante e vai me abrir portas para dar um futuro melhor para minha família, seja agora com os resultados ou depois, para ir a um grande centro, ter meu próprio negócio ou um projeto social e tudo mais.
Torneio bastante esvaziado, Paulo soube aproveitar a oportunidade! Bora por mais!
Esse guerreiro é merecedor, que tenha uma ótima semana
Na rodada anterior, durante a partida do holandês Guy Den Ouden e o russo Ivan Denisov, aconteceu um tiroteio próximo a quadra (no vídeo do jogo, da para ouvir os tiros).
Brazzaville está pegando fogo.
Guy Den Ouden venceu a partida e jogará contra o brasileiro.
(Paulo Saraiva tem 24 anos, mostra como edifício para aqueles que não são bem nascidos jogar tênis profissionalmente).
É difícil***
A ATP divulgou um comunicado dizendo que tratava-se de um exercício militar da polícia local e que paralisação da jogo durou aproximadamente 10 minutos.
Obrigado pelo esclarecimento, Mário Sérgio.
Estou na comunidade tenisbrasil no zap e essa notícia nao subiu lá,seria interessante as notícias sobre brasileiros subirem lá tb
Claro, Diego, faremos já.
Desejo muito sucesso ao Paulo Saraiva. E parabéns ao Mário Sérgio pela entrevista.
É muito interessante saber sobre ” o outro lado” do tênis.
Agradeço muito! É sempre bom contar mais histórias assim. E seguimos sempre na torcida pelo sucesso do Paulo e de outros tantos brasileiros.
Que história incrível a desse jovem! Vou passar a ficar mais de olho e na torcida por seu sucesso na carreira e na vida
Excelente entrevista…a melhor que já vi por aqui.
Mostra o “tênis real”, Paulo Saraiva representa aqueles que gostariam de jogar tênis profissionalmente, que não é bem nascido, não é sócio de um clube de tênis classe media/alta, nem tem uma família disposta a bancar a “aventura”.
Paulo Saraiva poderia ter o bolsa atleta, dinheiro público para ajuda de atletas sem condições financeiras, a Federação Brasiliense de Tênis (responsável pelo atleta) é quem faz o critério para os tenistas serem escolhidos, ou seja a federação determina para quem vai o dinheiro público (geralmente para grupos determinados e abastados).
Na entrevista, Paulo Saraiva diz do prazer de viajar com argentinos, fala sobre a solidariedade e a busca incansável por resultados. (muito diferente dos garotos mimados da classe media/alta brasileira).
Por último, onde está a CBT???
Ela acompanha o atleta???
Oferece algum suporte para busca de dinheiro público (existe) no qual ele se enquadra???
Qual departamento da entidade acompanha jogadores profissionais como Paulo Saraiva???
O Programa de Desenvolvimento do Tênis, hoje com o comando de João Menezes é algo nacional, para todos que desejam ser um profissional do tênis, ou é apenas para os bem nascidos escolhidos pela CBT???
Perguntas, perguntas.
Excelente entrevista, e Paulo Saraiva ganhou mais um fã!!!
Estarei na torcida, ainda mais.
Passei a torcer muito para o Paulo Saraiva. Esse merece todo o apoio possível. Pena que as máfias de federações e bolsas em certos nichos políticos só beneficiem seus pares.