O Brasil terá dois representantes no torneio de tênis em cadeira de rodas do Australian Open, que começa em 20 de janeiro. Ambos de 17 anos, Vitória Miranda e Luiz Calixto vão disputar a chave juvenil em Melbourne. A dupla mineira treina em Belo Horizonte, com o técnico Leonardo Oliveira, mais conhecido como no circuito Leo Butija, que falou sobre os estágios de desenvolvimento de cada jogdaor e as perspectivas para a temporada que começa.
Vitória lidera o ranking mundial juvenil do tênis em cadeira de rodas e já está em sua quarta participação em Grand Slam. Ela jogou as duas últimas edições do US Open e uma em Roland Garros, chegando às finais do juvenil em Paris e Nova York na última temporada. A mineira vive um momento de transição na carreira, ocupando também o 47º lugar do ranking profissional. E o plano da equipe é colocá-la cada vez mais em torneios mais fortes.
“A Vitória é um talento nato, com um potencial enorme. Já faz três anos que estamos treinando com ela quase todos os dias e acreditando que ela pode conquistar grandes coisas. Mas no último ano e meio, ela acelerou esse processo”, disse Leo Butija a TenisBrasil. “A cada campeonato que disputa, fica mais madura e vai aprendendo mais. A vontade dela não é mais de só participar, ela quer ganhar. E à medida que os resultados forem aparecendo, a gente vai diminuir a participação nos torneios do juvenil e focar no profissional”.
Jovens tenistas foram descobertos por acaso
A descoberta de Vitória se deu por acaso. “Em 2016, eu estava na Paralimpíada do Rio, era técnico do time masculino. E vi que tinha um vídeo da Vitória plantando bananeira, aos 7 anos de idade. E essa pessoa que trabalhava com a Vitória como fisioterapeuta queria muito apresentá-la ao esporte”, relatou.
A jovem tenista dá mais detalhes sobre o início inesperado no esporte. “O tênis entrou na minha vida as nove anos de idade, com um vídeo que minha fisioterapeuta mandou pro Léo pelo Facebook. Quando ele foi ver este vídeo, já tinha se passado alguns meses e eu já não estava na mesma clínica e não tivemos contado por um bom tempo. Aí em um certo dia, eu e minha mãe estávamos no centro de Belo Horizonte e uma moça nos parou. Era a Marina, mãe do tenista Rafael Medeiros, que me perguntou se tínhamos interesse de jogar tênis e passou o número do Léo”.
Com Luiz Calixto, que terá uma experiência inédita em Grand Slam, o início também foi inesperado. “Há três anos, eu o descobri vendendo paçoca a rua. Quando o vejo com uma prótese na perna, converso com ele e trago pra quadra de tênis. A intenção era de tirá-lo da rua, para que ele não ficasse uma criança com deficiência vendendo bala. Mas logo que ele tem seus primeiros contatos com o tênis, ele gosta e se apaixona também”.
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Ligado ao esporte desde a infância e com 15 anos de experiência no tênis em cadeira de rodas, Butija falou sobre o cenário da modalidade no Brasil e de como Minas Gerais se tornou um pólo de referência, com jogadores como Daniel Rodrigues, Leandro Pena e Gustavo Carneiro disputando as últimas Paralimpíadas. Ele tamém fala sobre dois grandes resultados do Brasil nos últimos anos, as conquistas da brasiliense Jade Lanai no US Open juvenil em 2022 e a chegada do catarinense Ymanitu Silva às finais de Grand Slam na Austrália e em Roland Garros pela divisão quad, que trouxeram maior visibilidade ao esporte.
Confira a entrevista com Leo Butija, treinador de tênis em cadeira de rodas, e Vitória Miranda
Leo, como o tênis surgiu na sua vida e como foi o direcionamento para a modalidade em cadeira de rodas? Está há quanto tempo na modalidade?
Leo Butija: Eu comecei no tênis como boleiro aos nove anos. Próximo da minha casa, existia um clube chamado Lagoa Tênis Clube e ficava na metade do caminho entre a minha casa e o trabalho da minha mãe, numa escola. E eu sempre ia me encontrar com ela. E um dia, na metade do caminho, ela perguntou rindo para um professor do clube se tinha um emprego para mim, para eu poder brincar. E eu comecei a catar bolinha com nove anos nesse dia e foi amor à primeira vista. Nunca mais saí do tênis.
O tênis em cadeira de rodas entrou na minha vida há 15 anos. Eu coordenava a equipe de competição de uma academia e a gente cedia espaço para uma ONG que fazia um trabalho com tênis em cadeira de rodas. Eu conheci o Rafael Medeiros na época com 18 anos e me pediram para dar uma semana de treinos para ele. E no final dessa semana, ele falou que teria que parar porque não tinha onde treinar. Eu o chamei para treinar com minha equipe infantojuvenil. Ele nunca mais ele deixou de treinar comigo.
E logo no primeiro ano, tive uma convocação para a seleção brasileira. Fui técnico do time Júnior no Parapanamericano da Juventude, que aconteceu em Bogotá em 2009. De lá pra cá, nunca mais saí da seleção.
Como foi a descoberta da Vitória? Foi por acaso ou alguém te procurou para falar dela?
Leo Butija: A descoberta da Vitória foi um acaso. Em 2016, eu estava na Paralimpíada do Rio, era técnico do time masculino. E recebi um vídeo da Vitória plantando bananeira, aos 7 anos de idade. E essa pessoa que trabalhava com a Vitória como fisioterapeuta queria muito apresentá-la ao esporte. Quando eu faço contato com a fisioterapeuta, ela já não atendia mais a Vitória.
Mas a Marina Medeiros, mãe do Rafael, não pode ver uma criança com deficiência que já quer trazer pra jogar tênis. Eu falei para ela que não tínhamos mais espaço para atender. Estava fora do nosso ponto de equilíbrio. Ela me liga um dia e fala: ‘Você vai brigar muito comigo, mas encontrei uma menina muito forte, de muletas, e dei o seu contato’. Eu falei: ‘É a Vitória?’ Ela: ‘Como você sabe?’ Então eu contei a história e mandei o vídeo para ela. E foi assim que ela veio treinar com a gente.
Vitória Miranda: O tênis entrou na minha vida as nove anos de idade, com um vídeo que minha fisioterapeuta mandou pro Léo pelo Facebook. Quando ele foi ver este vídeo, já tinha se passado alguns meses e eu já não estava na mesma clínica e não tivemos contado por um bom tempo. Aí em um certo dia, eu e minha mãe estávamos no centro de Belo Horizonte e uma moça nos parou. Era a Marina, mãe do tenista Rafael Medeiros, que me perguntou se tínhamos interesse de jogar tênis e passou o número do Léo
Você pode fazer uma avaliação sobre o ano que ela teve no circuito, chegando ao número 1 do juvenil, disputando as finais de Roland Garros e do US Open na categoria e classificada agora também para o Australian Open. Quais as perspectivas para o próximo ano para a evolução dela?
Leo Butija: A Vitória é um talento nato, com um potencial enorme. Já faz três anos que estamos treinando com ela quase todos os dias e acreditando que ela pode conquistar grandes coisas. Mas no último ano e meio, ela acelerou esse processo. De tal forma que isso a colocou em posição privilegiada no ranking. O sonho dela era jogar os Grand Slam e ela jogou duas vezes o US Open e uma em Roland Garros.
E a cada campeonato que disputa, fica mais madura e vai aprendendo mais com os jogos. Porque de tênis mesmo, ela tem três anos competindo. Ou seja, é como se fosse uma criança que começou com 10 e está com 13. Ela está virando uma tenista, ainda não é uma jogadora completa. Está conhecendo as jogadoras. E a cada dia que passa, esse conhecimento vai fazer com que ela fique melhor dentro da quadra.
Então os resultados do último ano foram sensacionais. Ela teve um set acima, 1/0 e 40-30 na final do US Open. Antes, na final de duplas de Roland Garros, teve seis match points. Perderam, eu acho, por 18-16 no terceiro set. Fez também sua primeira final de ITF 3 com uma jogadora mais velha, ganhou esse ano os dois primeiros campeonatos profissionais de future. Para mim não é surpresa, mas o tempo para os resultados acontecerem tem ficado a cada dia mais curto.
E agora a gente tem um calendário para 2025 que está pronto só até abril, porque dependendo dos resultados, as coisas vão mudar. Ela vai jogar Júnior, tem três Grand Slam esse ano, e a vontade dela não é mais de só participar, quer ganhar os três. Já vai mesclar com torneios profissionais e à medida que os resultados forem aparecendo, a gente vai diminuir a participação nos torneios de Júnior e focar no profissional, porque ela já é 43 do mundo no ranking adulto.
E para você, Vitória, como foi essa temporada, com essas três finais em Grand Slam como juvenil em Roland Garros e no US Open, já com três finais, e a chegada ao número 1 da categoria? O quanto essas experiências te ajudaram também no desenvolvimento como jogadora e no amadurecimento pessoal?
Vitória Miranda: Foi uma realização! Acho que esse ano foi um ano de muitas metas cumpridas e muitos objetivos concluídos. Jogar essas três finais foi muito especial, sendo o US open um pouquinho mais especial. Em relação ao ranking, era sim um objetivo chegar ao número 1 do mundo no Júnior e também era objetivo chegar no top 50 no profissional até este fim de ano.
Agora é continuar trabalhando para alcançarmos metas maiores. Também foi um ano de muito amadurecimento dentro e fora quadra. O tênis tem feito mudanças na minha vida e colaborado para esse amadurecimento. Espero que daqui pra frente possa so evoluir cada dia mais. A gente já está pensando no profissional, jogando mais torneios que as melhores ranqueadas estão jogando e já com o pensamento na transição de juvenil para o profissional.
Hoje falando no tênis em cadeira de rodas, principalmente no feminino, é impossível não pensar na Diede De Groot, que ganhou 15 Grand Slam seguidos e domina o circuito. A Vitória já teve algum contato, alguma troca de experiência com ela ou com outras jogadoras desse nível?
Vitória Miranda: Já sim, no mundial agente teve a chance de saber um pouco mais sofre a vida dela, ela fez uma mini palestra falando sobre a trajetória dela no esporte e foi muito legal poder está ali com uma grande jogada que serve como exemplo pra mim.
Além da Vitória, você também trabalha com o Luiz Calixto, que também é bastante jovem. Poderia comentar um pouco sobre o desenvolvimento dele?
Leo Butija: O Luiz também tem uma história interessantíssima e tem só dois anos e meio de tênis. Há três anos, eu o descobri vendendo paçoca a rua. Eu paro o carro, ele me oferece, falo que não. Mas quando o vejo com uma prótese na perna, converso com ele e trago pra quadra de tênis. A intenção era de tirá-lo da rua, para que ele não ficasse uma criança com deficiência vendendo bala. Mas logo que ele tem seus primeiros contatos com o tênis, ele gosta e se apaixona também.
E o desenvolvimento tem me surpreendido também. Com pouco mais de dois anos no tênis, já é o sétimo do mundo no juvenil e 150 na categoria profissional. Ele está evoluindo a cada dia que passa, classificou direto para o Australian Open e tem um ano muito promissor.
O que faz de Minas Gerais um polo tão forte no tênis em cadeira de rodas no Brasil? Além de vocês, o Daniel Rodrigues, Gustavo Carneiro e Leandro Pena também são mineiros.
Leo Butija: Acho que o que faz da gente um pólo forte no tênis em cadeira de rodas é que tinha uma ONG chamada tênis para todos que ajudou muitas pessoas no esporte. O Daniel treinou comigo entre 2012 e 2016, o Rafa está comigo há esse tempo também, o Gustavo Carneiro, do Praia Clube de Uberlândia, treinou muito tempo com o Rafael, que faz parte da seleção. E acho que esse movimento que fazemos aqui está contagiando. As pessoas viram o resultado dar certo e estão seguindo. No nosso caso, eu atribuo à paixão que tenho pelo esporte. Sou apaixonado pelo tênis, comecei como boleiro, e eduquei a minha filha e minha família através do tênis. Então eu sinto uma necessidade muito grande de devolver ao tênis o que ele fez na minha vida.
E pelo fato de ter convivido na minha infância com uma grande amiga com deficiência, isso sempre me fez ter um olhar diferente. Então quando eu me encontro com o tênis em cadeira de rodas, há 15 anos, deicidi que era isso o que eu queria fazer da minha vida. Eu tenho uma quadra que tiro 3 a 4h por dia para fazer um trabalho voluntário com pessoas com deficiência e hoje eu tenho 20 cadeirantes praticando o tênis. Desses 20 tem a Vitória e o Luiz, tem o Rafael Medeiros que jogou três Paralimpíadas, a Ana Caldeira que jogou a Paralimpíada de Tóquio, e mais três jovens de 14 e 15 anos que têm um futuro muito promissor. Então, no meu ponto de vista, é a paixão que a gente tem pelo tênis.
Como você avalia o crescimento da modalidade no país nesses últimos anos, especialmente depois dos resultados do Ymanitu Silva em finais de Grand Slam e do título da Jade Lanai no US Open há duas temporadas. E como eles servem de inspiração para a Vitória?
Vitória Miranda: Jade e uma inspiração pra mim e quando eu vi ela ganhando o Us Open, vi ali que eu também podia ganhar vi que era possível porque ela tinha uma idade parecida com a minha e já está mudando a história do tênis em cadeira de rodas no Brasil.
Leo Butija: O nosso desenvolvimento do tênis em cadeira de rodas nos últimos anos se deve única e exclusivamente ao apoio que a Confederação Brasileira tem dado à modalidade. O nosso vice-presidente, Jesus Tajra, é um batalhador incansável em busca de melhorias para o nosso esporte. Ele tenta levar a modalidade para todos os estados e faz clínicas para capacitar mais professores em cada estado. O tênis em cadeira de rodas não seria o que é hoje se não fosse a CBT, que arca com 80% de todos os custos de viagem internacional para esses jogadores.
O Ymanitu conseguiu chegar aos Grand Slam porque a Confederação investiu e é muito caro o circuito. E em alguns casos, as crianças e jogadores vêm de uma condição sócio econômica não muito favorável. E você sabe o quanto é caro essas viagens. Então se não fosse o suporte que a Confederação dá, o esporte não teria esse desenvolvimento. E o trabalho junto com o CPB, o Comitê Paralímpico Brasileiro, através da Paralimpíada escolar. É feito um camping escolar, onde os melhores jogadores passam duas semanas por ano treinando lá. Então eu atribuo a esses dois fatores.
E para fechar, gostaria que a Vitória comentasse sobre o momento do tênis feminino no Brasil, principalmente com a Bia, a Luísa e a Laura conquistando títulos importantes.
Vitória Miranda: Fico muito feliz de vê as meninas representando super bem o Brasil, fazendo histórias pelo mundo e sendo um baita exemplo pra nós!