Wimbledon: tradições e saudosismo

Foto: AELTC

Apesar do charme de Paris, da modernidade da Austrália e da fama de Nova York, conquistar Wimbledon ainda segue sendo o sonho dourado dos tenistas profissionais. Não importa se a grama escorrega, se são poucos os torneios nesse piso, se a chuva não para ou se até circular no complexo é difícil. Levantar o troféu no masculino ou a salva de prata no feminino é o apogeu para qualquer mortal aficionado pela modalidade.

Tudo começou em 1877, quando o esporte, com a primeira edição masculina do torneio, passou a integrar o calendário anual do elegante All England Club, no bairro de Wimbledon, a sudoeste de Londres. À época, sequer se sacava por cima da cabeça e houve apenas 22 participantes e 200 espectadores pagando 1 shilling (fração da libra esterlina).

Para falar das mulheres, vale remarcar que devem ter ido de locomotiva, transporte comum naquele período, já que só começaram a participar após sete anos! Mudanças nunca foram o forte do torneio e não é de surpreender que tenha sido o último Grand Slam a igualar a premiação entre gêneros, somente em 2007, um ano após Roland Garros, mas muito depois do US Open, em 1973.

É bem verdade que o evento norte-americano sofreu pressão também pela criação da Associação Feminina de Tênis, a WTA, e o icônico desafio intitulado Guerra dos Sexos entre Billie Jean King e Bobby Rigs. De qualquer forma, ainda que tardia, essa igualdade foi uma vitória gigantesca para as mulheres, já que o torneio é o mais tradicional entre todos. E haja tradição!

Dos quatro maiores torneios do planeta, três eram jogados em grama. O US Open mudou em 1974 e o Australian Open em 1988. Wimbledon conserva até hoje o mesmo piso da sua primeira edição. Da mesma forma, roupas brancas seguem sendo uma marca registrada, já que antigamente marcas de suor, mais visíveis em roupas coloridas, eram consideradas socialmente inapropriadas. Cada peça do vestuário portanto precisa ser predominante dessa cor. Fato que me remete a uma curiosidade de uma das nove edições que participei.

Na década de 80, precisei voltar da quadra ao vestiário para colocar um esparadrapo branco na fita vermelha que usava no cabelo, embora todas as outras peças fossem da cor exigida. Bizarra também foi a advertência recebida pelo Roger Federer em 2013, por usar um tênis com solado laranja.

Vale destacar, entretanto, que recentemente ficou flexibilizado para as mulheres o uso de calções escuros por baixo dos vestidos ou saias, para maior conforto em épocas de menstruação. Curioso e original para um torneio é também o toque de recolher. Às 23h, os jogos são interrompidos para respeitar o silêncio do bairro residencial.

Enfim, além de tantos detalhes diferenciados, uma lembrança e passagem pessoal inesquecível: em 1982, ao lado da minha querida parceira e amiga Cláudia Monteiro, batemos a super campeã Billie Jean King e a sul-africana Ilana Kloss na segunda rodada. Avançamos até as quartas de final, parando frente às imbatíveis Martina Navratilova e Pam Shriver.

Foi com esse clima de saudosismo também que me emocionei com a final feminina da atual edição. O jogo por si só já valeu pelo espetáculo, mas acompanhar a ascensão da italiana Jasmine Paolini e sua descontração em quadra, contrastou com a história triste que carrega a tcheca Barbora Krejcikova, que perdeu sua grande mentora, técnica e inspiração para o câncer, há alguns anos. A ex-número 2 do mundo Jana Novotna, a quem também tive o prazer de conhecer, deixou saudades, mas também uma sucessora.

9 Comentários
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André Aguiar
André Aguiar
4 meses atrás

Antes não havia necessidade do toque de recolher (curfew) às 23h porque a falta de luz natural, por volta das 21h em julho, obrigava a interrupção dos jogos. A instalação do teto retrátil na quadra central em 2009 trouxe junto os refletores. Aí o conselho de moradores do bairro, que na democrática e organizada sociedade inglesa é ouvido e tem direito a veto, condicionou a aprovação do teto à implantação do curfew. No que fez até bem ao torneio, a meu ver. Esse negócio de terminar jogo às 4 da manhã, como acontece nos outros Slams, é deveras prejudicial às (aos) atletas, não acha Patrícia?

Maurício Luís *
Maurício Luís *
4 meses atrás

Oi, Patrícia. Primeiramente, alerto que no último parágrafo foi usada a palavra “descontratação” no lugar de descontração.
Em segundo lugar, achei interessante saber que no começo não se sacava acima da cabeça.
E a Jasmine Paolini provou, mais uma vez, que ao menos entre as mulheres, não é preciso necessariamente ser alta pra obter bons resultados.
Aliás, como a italianinha está com 28, mesma idade da Bia, tenho esperança que a brasileira em algum momento também consiga se reinventar.

João Sawao ando
João Sawao ando
4 meses atrás
Responder para  Maurício Luís *

Sim Maurício. A sul africana Amanda coetzer também era baixinha e se não me engano foi top 10

Vanda Ferraz Lopes de Oliveira
Vanda Ferraz Lopes de Oliveira
4 meses atrás

Oi Patrícia…..
Jogamos juntas o qualyfing de 1975…….nos anos seguintes você foi muuuuito mais longe, mas nunca vou esquecer nossos dias de Europa …..saudades
Maravilhoso texto, a Jasmine é uma inspiração para as novas tenistas

Vanda Ferraz Lopes de Oliveira
Vanda Ferraz Lopes de Oliveira
4 meses atrás
Responder para  Patrícia Medrado

Obrigada!!!!!
Nós fomos primeiro para a Fed Cup em Aix…….depois Roma, Paris e Londres
Você, eu, Cristiana e Marília Matte
Lá ainda encontramos com o Kirmayr e Rasgadinho que também estavam jogando o Qualy……
Para mim…..inesquecível….
Sempre leio suas matérias!!!!
Parabéns!!!!
Aliás é o melhor lugar para ler sobre o Tenis Brasileiro!!

Carlos Roberto Gomes
Carlos Roberto Gomes
4 meses atrás

Bom dia Patrícia Medrado, não sei se conhece mas é MUITO INTERESSANTE para conhecer recordes:

Jogador que mais match points salvou antes de vencer um encontro
– Wilmer Allison – *18* em 1930

Jogadora que mais match points salvou, mas depois de perder um encontro com Lucia Bronzetti

Mayar Sherif *14* em 14 de julho de 2024, ITF Contrexévilli. Abraços

Ex-tenista profissional e medalhista de prata nos Jogos Pan-Americanos na Cidade do México-1975, foi por 11 anos consecutivos a número 1 do Brasil e chegou ao top 50 em simples. Atualmente, possui 16 títulos mundiais no circuito Masters da ITF e ocupa os cargos de diretora executiva do Instituto Patrícia Medrado e líder do Comitê Esporte do Grupo Mulheres do Brasil.
Ex-tenista profissional e medalhista de prata nos Jogos Pan-Americanos na Cidade do México-1975, foi por 11 anos consecutivos a número 1 do Brasil e chegou ao top 50 em simples. Atualmente, possui 16 títulos mundiais no circuito Masters da ITF e ocupa os cargos de diretora executiva do Instituto Patrícia Medrado e líder do Comitê Esporte do Grupo Mulheres do Brasil.

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