Por Mário Sérgio Cruz
Da redação
O Brasil comemora nesta semana a melhor participação na história dos Jogos Paralímpicos, com número de recorde de medalhas, 86 ao todo, sendo 23 de ouro, e um inédito quinto lugar no quadro geral. O tênis do país foi representado pelo quarteto de atletas em cadeiras, com destaque para o quarto lugar de Leandro Pena e Ymanitu Silva na divisão Quad. E enquanto o movimento paralímpico colhe os frutos de Paris e inicia a preparação para o ciclo de Los Angeles, uma nova modalidade do tênis busca espaço nas edições futuras dos Jogos e também nos torneios do Grand Slam.
A recém-criada modalidade Para Standing Tennis reúne atletas com deficiência nos membros superiores, mas que não necessitam de cadeiras de rodas para locomoção. Como o próprio nome, traduzido do inglês, sugere os tenistas competem em pé. Uma das referências da modalidade no Brasil é Thalita Rodrigues, de 30 anos, que passou pelo circuito universitário nos Estados Unidos e atualmente mantém um Centro de Treinamento em Brasília.
Thalita conta, em entrevista a TenisBrasil, que começou a competir com jogadoras sem deficiência, inclusive com a medalhista olímpica Laura Pigossi e também Ingrid Martins nos tempos de juvenil. Ela também foi parceira de treinos de Bia Haddad Maia na academia do Larri Passos, nos primeiros anos da carreira da atual número 1 do Brasil. “Já joguei contra a Laura no juvenil e sempre admirei sua determinação e garra em quadra. Ver o sucesso dela e de outras jogadoras nos grandes palcos do tênis certamente motiva não só a minha geração, mas todas as jovens tenistas brasileiras que estão começando agora”.
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A tenista falou sobre os processos necessários que a modalidade tenha espaço nas grandes competições. “Nossas conversas com a Federação Internacional têm enfrentado alguns desafios, mas estamos comprometidos em manter um diálogo. Temos nos esforçado para apresentar nossas demandas, enfatizando as oportunidades e o potencial de inclusão que o Para Standing oferece ao esporte”.
“Mesmo com a falta de apoio de algumas federações, já conseguimos alcançar mais de 400 atletas de diversas partes do mundo. Gostaria de destacar que a Confederação Brasileira (CBT) está dando um grande apoio e incentivo para a categoria, e em breve iremos realizar um torneio aqui no Brasil com todo suporte”, acrescentou a tenista, pensando no futuro de sua modalidade no Brasil e também no cenário internacional.
Confira a entrevista com Thalita Rodrigues, do Para Standing Tennis.
Como o tênis surgiu na sua vida? Você teve uma inspiração ou alguém que te incentivou?
O tênis surgiu na minha vida de uma forma muito especial, graças à influência do meu avô, José, carinhosamente conhecido como Sobral. Ele veio do interior do Ceará para Brasília com o sonho de conseguir uma oportunidade de trabalho na construção da nova cidade. E o destino o levou à construção da primeira quadra de tênis do Iate Clube, onde, além de trabalhar, teve a chance de conhecer o mundo do tênis.
Com o tempo, Sobral se apaixonou pelo esporte, fez amizade com outros tenistas e começou a jogar e a se destacar na cidade, participando de torneios nacionais e se tornando um dos melhores tenistas da região. E essa história não parou nele. Meu avô incentivou os filhos — meu pai, Oséias Santana, e meu tio Sérgio Santana — a também se envolverem com o esporte. Ambos se destacaram e se tornaram excelentes tenistas, reforçando ainda mais essa tradição familiar.
Minha família, portanto, foi a maior fonte de inspiração e incentivo que tive para iniciar minha jornada no tênis. Desde pequena, eu pude observar não apenas a habilidade deles nas quadras, mas também o amor e a disciplina que dedicavam ao esporte. Isso me motivou a pegar uma raquete e começar a jogar, seguindo os passos de quem admiro. O tênis virou uma parte fundamental da minha vida, e sou muito grata por ter uma história tão rica e inspiradora por trás dessa paixão.
Você começou competindo com pessoas sem deficiência, já que as modalidades do tênis nas Paralimpíadas são em cadeira de rodas. Como foi essa experiência, quais torneios chegou a disputar?
Minha jornada no tênis começou cedo, aos 8 anos, e desde então, o esporte se tornou uma grande paixão. Aos 10, já estava participando de torneios e, ao longo do tempo, consegui me destacar, conquistando vários títulos nacionais e regionais. Já com 18 anos, eu estava entre as três melhores jogadoras do Brasil na categoria juvenil. Essa fase foi repleta de desafios e conquistas.
No entanto, na época, jogava contra meninas sem deficiência, o que era uma experiência muito interessante. Como jogadora, eu tinha apenas um braço, e isso inicialmente gerava estranhamento nas minhas adversárias. Lembro de algumas que olhavam para mim com curiosidade, mas logo perceberam que eu não estava ali para facilitar as coisas. Minha determinação e habilidade no jogo falavam mais alto, e, aos poucos, fui conquistando respeito e reconhecimento dentro da quadra. Elas entenderam que eu não iria desistir facilmente e que o jogo seria uma verdadeira disputa.
Além dos desafios, essas experiências foram muito enriquecedoras. Joguei em diversos torneios, incluindo competições regionais, nacionais e internacionais, onde pude aprender muito, crescer como jogadora e como pessoa. Cada partida era uma oportunidade de superação e aprendizado, mostrando que a vontade e a paixão pelo esporte podem superar barreiras.
Você também conseguiu treinar com a Bia, que é uma inspiração para todas as jogadoras brasileiras e sul-americanas. Como era dividir a quadra com ela e o quanto vocês trocam de experiências até hoje?
Dividir essa experiência com a Bia foi realmente incrível e enriquecedor. Desde os meus 16 anos, quando treinei na academia do Larri Passos em Balneário Camboriú, tive a oportunidade de conviver com grandes talentos do tênis, e a Bia sempre se destacou por sua garra e determinação. Ela é uma verdadeira inspiração não apenas para mim, mas para todas as jogadoras.
A Bia sempre foi uma atleta querida, batalhadora e admirável, tanto dentro quanto fora da quadra. É uma felicidade vê-la se destacar no cenário internacional. O orgulho que sinto por ela e pelos outros tenistas que treinavam na academia, como Thiago Monteiro, Letícia Monteiro, Ingrid Martins, Orlando Luz, Thiago Wild e Thomaz Bellucci, é imenso. Nós todos nos dedicamos muito, e é gratificante ver que o esforço está valendo a pena.
Mesmo hoje, quando conseguimos trocar mensagens, sinto que ela está sempre disposta a me apoiar e incentivar, especialmente na minha nova jornada na categoria Para Standing. Essa troca de experiências é fundamental e motivadora. É incrível saber que estamos todos juntos nessa jornada, mesmo que em diferentes momentos e categorias.
A categoria do Para Standing é muito nova no circuito, tem menos de dez anos. Como você descobriu esses eventos e o quanto eles evoluíram em tão pouco tempo?
A categoria do Para Standing realmente tem evoluído de maneira impressionante nos últimos anos, e minha jornada nesse universo começou de forma inesperada. Em 2019, enquanto estudava e jogava em uma universidade nos EUA, um colega me apresentou à modalidade. Desde o primeiro momento, fiquei fascinada, especialmente ao descobrir que haveria um torneio mundial em Houston.
A experiência em Houston foi transformadora. Pude conhecer diversos jogadores que, independentemente de suas deficiências, encontraram maneiras criativas de jogar tênis. A atmosfera do torneio era verdadeiramente inclusiva, e me senti acolhida de uma forma que nunca havia experimentado antes. Isso me fez perceber a importância de expandir essa categoria e alcançar mais pessoas ao redor do mundo.
Desde aquele torneio, começamos a realizar reuniões para promover e divulgar a modalidade. Tivemos a sorte de contar com o apoio de líderes dedicados, como Ivan, o presidente da categoria, e Greg, o vice-presidente. O trabalho deles tem sido fundamental para o crescimento do Para Standing, e isso se reflete no aumento do número de participantes. Nos últimos anos, os torneios têm crescido significativamente.
No ano passado, participei do mundial na Itália, onde conquistei o título. Tivemos cerca de 40 jogadores presentes, mas neste último campeonato, onde fui vice-campeã, o número dobrou. É importante ressaltar que a falta de apoio da Federação Italiana de Tênis impediu que mais jogadores pudessem comparecer, devido à exigência de visto para alguns países. Mesmo com a falta de apoio de algumas federações, já conseguimos alcançar mais de 400 atletas de diversas partes do mundo. Gostaria de destacar que a Confederação Brasileira (CBT) está dando um grande apoio e incentivo para a categoria, e em breve iremos realizar um torneio aqui no Brasil com todo suporte.
Estamos fortalecendo nossa presença no mundo do tênis adaptado e, à medida que continuamos a mostrar nossa força à ITF, esperamos que mais suporte e reconhecimento venham para a categoria.
O que precisa ser feito para que a modalidade possa entrar no programa dos Jogos Paralímpicos e dos Grand Slam? Como estão sendo as conversas com a Federação Internacional? Vocês têm conseguido apoio das entidades e de mais jogadores? Vi que tem até um vídeo no Australian Open.
Para que o Para Standing possa ser incluído no programa dos Jogos Paralímpicos e nos eventos do Grand Slam, é fundamental que ele receba reconhecimento formal das entidades responsáveis, como o Comitê Paralímpico Internacional (IPC) e a Federação Internacional de Tênis (ITF). Isso requer a definição de regras específicas, a criação de categorias de competição e o estabelecimento de diretrizes de classificação para os atletas.
Nesse contexto, nossas conversas com a Federação Internacional têm enfrentado alguns desafios, mas estamos comprometidos em manter um diálogo contínuo. Temos nos esforçado para apresentar nossas demandas, enfatizando as oportunidades e o potencial de inclusão que o Para Standing oferece ao esporte.
Além disso, temos recebido o apoio de diversas entidades e um número crescente de jogadores que acreditam na relevância e no impacto positivo do Para Standing. O vídeo produzido e divulgado durante o Australian Open e em Wimbledon são exemplos claros de grandes organizações que estão nos apoiando e abrindo portas para nós, ajudando a visibilidade da modalidade e atrair novos praticantes e apoio.
Estamos confiantes de que, com o apoio da comunidade esportiva e a continuação das nossas conversas com as federações, podemos avançar na inclusão do Para Standing no cenário mundial do tênis.
O tênis feminino tem ganhado muita visibilidade, especialmente depois da medalha da Luísa e da Laura em Tóquio, da semifinal da Bia em Roland Garros e agora quartas no US Open. O quanto os resultados delas servem de inspiração para vocês e também ajuda a popularizar sua modalidade?
É realmente incrível ver como o tênis feminino brasileiro tem ganhado destaque internacional, especialmente com as conquistas da Luísa e da Laura em Tóquio, além de todos os feitos da Bia. Os resultados dessas atletas representam mais do que apenas medalhas e troféus; eles servem como uma fonte poderosa de inspiração para todas nós, que estamos construindo nossas trajetórias nesse esporte.
Acredito que a geração de jogadoras de 93/94, da qual faço parte, tem sido fundamental para mostrar que é possível sonhar e alcançar grandes feitos, mesmo diante dos desafios. Já joguei contra a Laura no juvenil e sempre admirei sua determinação e garra em quadra, assim como a Luísa, que também é uma verdadeira guerreira. Ver o sucesso delas nos grandes palcos do tênis certamente motiva não só a minha geração, mas todas as jovens tenistas brasileiras que estão começando agora.
Além disso, esse reconhecimento das nossas jogadoras ajuda a popularizar a modalidade no Brasil. Quando temos atletas se destacando, mais crianças e adolescentes se sentem inspirados a praticar o esporte, e isso é fundamental para o crescimento do tênis feminino no país. Estou ansiosa para ver como a próxima geração irá se desenvolver e, com certeza, elas terão Luísa, Laura e Bia como referências a seguir. O potencial dessas jovens jogadoras é imenso, e é uma honra fazer parte desse momento de transformação no esporte.
Que mensagem você pode deixar de apoio para os tenistas brasileiros que competiram na Paralimpíada em Paris: Ymanitu, Leandro Pena, Daniel Rodrigues e Gustavo Carneiro.
Estou imensamente orgulhosa de vocês por alcançarem esse sonho! Lembrem-se de que vocês são inspiradores, não apenas pelo talento, mas pela coragem e determinação que demonstram a cada dia. A jornada até aqui não foi fácil, mas vocês superaram desafios com garra e perseverança. Que a força e a paixão que os trouxeram até Paris iluminem seu caminho. Acreditem em si mesmos, pois acreditamos em vocês! Que cada partida seja uma celebração da bravura e do amor pelo esporte. Vocês são campeões em nossos corações!
Extraordinário!!!!!
Será sucesso, com certeza, além da garra e dedicação desta menina. Parabéns!!!!!
Eu tive a oportunidade de ver essa moça. Ela aguardava (como eu) a Laura Pigossi dps do jogo contra a Olivia Carneiro, num torneio ano passado aqui em BSB. Quando elas se viram, se abraçaram como velhas amigas e saquei que já tinham frequentado o circuito juntas.
Mas eu imaginava que ela tivesse os 2 braços na época que se conheceram. Fiquei surpreso em saber que desde sempre ela encarou garotas muito boas com a deficiência. Muito bacana!