O tênis se acostumou a ver ao longo do tempo fenômenos de precocidade, de talento nato, de recordes, de popularidade, de eficiência. Rafael Nadal é para mim o maior de todos eles. Porque, qualquer que seja o ângulo que você olhe, esse espanhol foi um assombro.
Para começo de conversa, é um destro que aceitou jogar como canhoto. Um esforço extremamente bem absorvido, à base de treinamento severo, e muito provavelmente Rafa não seria o mesmo caso tivesse ido para o circuito profissional usando a mão direita. O que ele conseguiu imprimir de efeito e maldade ao topspin girando ao contrário a 3.500 rpm será sua marca eternizada na história.
Depois, passou boa parte de seus 20 anos de estrada lutando contra o próprio corpo. Ainda juvenil, soube que precisaria usar uma palmilha especial no pé esquerdo para compensar uma pequena mas crucial diferença entre as duas pernas, que cinco anos depois descobriu-se tratar de uma síndrome degenerativa e portanto irremediável. Nessa altura, ele já era o Rei do Saibro, mas também campeão de Wimbledon e do Australian Open.
O grande esforço físico a que se propôs, dentro de um estilo tão heterodoxo, o levaria a uma lista interminável de lesões dos mais variados tipos, do punho às costas, do tornozelo ao joelho, do abdome ao cotovelo. Submeteu-se a tratamento experimentais, como o recente bloqueio dos nervos do pé esquerdo, logo depois que conquistou de maneira inacreditável e insana seu 14º Roland Garros e 22º Grand Slam à base de anestesia. Imaginem deslizar e se deslocar pelo saibro sem sentir o próprio pé.
A temporada de 2013 se tornou outro marco. Retornou ao circuito depois de seis meses parado por conta do joelho e se arrastou no saibro sul-americano. Parecia ter perdido a magia, mas acabou vivendo um novo período de intenso sucesso, com títulos seguidos em Barcelona, Madri, Roma e Roland Garros seguidos por Cincinnati e US Open. Estava de volta ao número 1.
Nunca deixou de investir no plano técnico, apesar de tão consagrado, e trocou Toni Nadal por Carlos Moyá para dar um jeito no backhand. Mas o punho era um problema e só colheu frutos a partir de 2017, ano de La Décima em Paris e do tri no US Open, pouco antes de outra vez recuperar o topo do ranking. A partir de Moyá, ganhou mais oito Slam, tanto no saibro como na quadra dura.
O problemático quadril enfim determinou sua queda de rendimento e foi um tanto doloroso vê-lo entrar em quadra sem condições plenas de competir, o que passou a acontecer até mesmo no saibro. Isso não cabia a seu invejável currículo, mas Rafa postergou o adeus o quanto pôde, talvez até além do limite. Era para ser em Roland Garros, nos Jogos Olímpicos e acaba por ocorrer na Copa Davis, dentro de casa. Talvez tenha sido mesmo o mais coerente.
Os últimos dois anos têm sido duros para aqueles que se acostumaram a ver o melhor tênis de todos os tempos. Começou em 2022, com a aposentadoria da mamãe Serena Williams, que ao menos ainda conseguiu mostrar qualidade em seu última entrada em quadra. Seguiu há 14 meses com a bem mais deprimente despedida de Roger Federer e seu joelho irrecuperável, que sequer pôde se aventurar numa competição real. E assistiu à raquete pendurada de Andy Murray, meses atrás nas Olimpíadas, outro que fez o impossível para recuperar o nível após operar o quadril e jamais retornou ao sucesso de outrora.
Nadal, não se enganem, não deixará herdeiro. Sua maestria sobre o saibro parece impossível e improvável de ser imitada, assim como o estilo único de bater na bola, aquela capacidade atlética incomensurável de fugir do backhand lá na linha de duplas, de chegar em bolas completamente perdidas dentro de um mesmo ponto e, acima de tudo, a competência de escolher a jogada certa mesmo sob o momento mais duro, o que sempre foi para mim seu mais espetacular atributo. Também não esqueceremos dos tiques e dos tocs do Touro Miúra, das superstições, do ‘bamos’ e do soco no ar.
Resta sonhar que ele cumprirá o prometido nesta noite triste em Málaga: a de que seguirá sendo um embaixador do tênis.
Pela última vez, escrevo aqui, já com saudade: nunca duvide de Rafael Nadal.
Que carreira linda ! Que homem ! Uma inspiração para atletas de qualquer esporte!
Excelente texto. Descreveu perfeitamente quem é Rafael Nadal. Máquina de jogar tênis.
Sem dúvidas o goat do esporte! Lembrando que Rafa tem ampla vantagem contra Federer e Novak em confrontos em slam.
Um gênio!
Boa noite,
Lendo linha por linha, cada detalhe de sua escrita neste texto, Mestre Dalcim, não teve como eu me emocionar. Sublime e relatando todos os feitos e prognósticos deste rapaz, chamado Rafael Nadal.
Não ia comentar, mas lendo esse texto, assim como todos os outros que li, só tenho a dizer, parabéns mestre , esse blog é único , e só você para nos brindar com mais um texto primaz, e ainda na despedida de Rafael Nadal.
Obrigado, Evaldo!
Monstro sagrado do esporte mundial. Para mim é o maior atleta de todos os tempos. Em qualquer modalidade, nunca houve um atleta como Nadal!!!!!
E que exemplo de ser humano também.
Inesquecível!!!!
Resumo perfeito. Para acrescentar mais uma coisa, esse estilo do Nadal foi inspirado no Carlos Moyá, um canhoto que jogava com a mão direita.
Realmente um fenômeno impressionante. Mesmo eu que sou fã dos outros dois do Big 3 e sempre torci contra Nadal, tenho que reconhecer.
Parabéns pelo texto irretocável, Dalcim.
Dalcim obrigado pelo comentário.
Feliz por tê-lo assistido duas vezes no Masters de Madrid e em Roland Garros, mesmo que ele nao tenha ido tão longe em 2015. Mais que o Rei do Saibro, um exemplo como atleta e cidadão!
O Maior atleta de todos os tempos. O que Nadal superou nenhum dos grandes do esporte precisou passar. Lembro como se fosse hoje Dácio Campos em 2003 na temporada de saibro Europeia falando sobre o Nadal na época com 16 anos. Que iríamos ouvir falar muito desse Espanhol pelo próximos anos. Lá se vão 21 anos desde da primeira vez que vi jogar. Não imaginei que duraria tanto tempo sua carreira. Um exemplo de profissionalismo e respeito ao esporte. Impossível não admira-lo. Para os fãs tem sido um momento difícil. Mais os seus feitos estarão pra sempre na nossa memória.
Obrigado Rafa .