Gauff e Alcaraz: De adolescentes prodígio à consagração em Paris

Foto: Clément Mahoudeau/FFT

Campeões de Roland Garros neste final de semana, Coco Gauff e Carlos Alcaraz viveram trajetórias parecidas no tênis: Adolescentes prodígio desde o início da carreira, eles cresceram cercaram cercados por um ambiente de pressão, expectativas e comparações com lendas do esporte. Não é tarefa fácil.

Gauff conquistou seu segundo Grand Slam no último sábado, vencendo a número 1 do mundo, Aryna Sabalenka, por 6/7, 6/2 e 6/4. Aos 21 anos, a norte-americana foi recompensada por toda sua regularidade no saibro nas últimas temporadas. Nos últimos quatro anos, havia perdido sempre para as campeãs de Roland Garros. E na preparação para o Grand Slam francês chegou às finais de Roma e Madri.

Também finalista em 2022, ela reconhece que o nervosismo falou mais alto em sua primeira decisão de Grand Slam, mas assimilou as lições da derrota sofrida para Iga Swiatek há três temporadas. “Na minha primeira final aqui, eu estava super nervosa e me subestimei antes mesmo da partida começar. Agora, tenho muito mais confiança por já ter disputado duas finais de Slam e vencido uma”, disse após a semifinal contra Lois Boisson na última quinta-feira.

Já no sábado, complementou sua fala: “Eu me lembro sabe da cerimônia de premiação de quando a Iga me venceu. Tentar absorver tudo e prestar atenção a cada detalhe e simplesmente sentir que eu queria aquela experiência para mim. Então, quando o hino foi tocado, lembro-me vividamente de vê-la, bem emocionada com o hino polonês. Eu fiquei tipo, ‘Uau, que momento legal’. Então, quando o hino americano foi tocado hoje, eu meio tive essas reflexões”.

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Ela também soube lidar com o favoritismo em seu lado da chave, sabendo que Swiatek e Sabalenka estariam na outra metade e confiava muito em suas chances. Num ano em que a polonesa, tetracampeã em Paris, não repetia os mesmos resultados e que a bielorrussa, apesar de liderar o ranking com folga e dominar o circuito, apresentava recorrente vulnerabilidade no saque por toda a temporada de saibro, a chance estava a ali e Gauff sobre aproveitar. Mérito também da número 2 do mundo por saber jogar em condições adversas, com muito vento, dificuldade para controlar a trajetória da bola e numa superfície pesada e com quique irregular. De novo, não é tarefa fácil. E os 70 erros não-forçados de Sabalenka também estão aí para provar.

Pais que sabiam o papel de pais

Outra cena marcante na comemoração da ainda jovem tenista de 21 anos foi o abraço nos pais, Corey e Candi, após a conquista e vê-los visivelmente emocionados durante e depois do jogo. Foi impossível não se lembrar da primeira vitória de Coco em um Grand Slam, então com 15 anos, contra Venus Williams na grama de Wimbledon em 2019. Na época, a comemoração da mãe arrancou risos da filha: “Não digam que a mamãe virou um meme!”, brincava a ainda adolescente norte-americana.

Desde aquela época, os pais sempre estiveram presentes na vida de Gauff, mas sempre com intuito de trazer apoio e conforto em um esporte tão desgastante emocionalmente. O pai, que foi um de seus primeiros treinadores, não apenas se afastou dessa função como também deixou a filha livre nas tomadas de decisão sobre sua carreira. Passou a cumprir apenas a função de pai, que se alegra ao ver a filha realizar seus próprios sonhos.

“A cada temporada, tenho me expressado melhor sobre o que quero dentro e fora das quadras. No começo, aos 15 ou 16 anos, meus pais faziam muito por mim para que eu pudesse só me concentrar no tênis. Agora, estou assumindo mais essa função. Estou ficando mais velha e preciso tomar mais decisões dentro e fora das quadras. Sei o que preciso fazer. É tudo uma questão de ter a equipe certa para me guiar nesse caminho e me orientar como eu devo treinar ou como trabalhar com certas marcas, coisas assim”, disse durante o Australian Open de 2024.

“Tenho evoluído a cada ano. A vida adulta é algo que estou gostando muito de aprender. Não cheguei lá completamente, mas a cada ano acho que estou ficando melhor nisso. Agora, meu pai recuou na função e disse: ‘Estou aqui se precisar de mim, não vou tomar decisões por você, mas posso te dar conselhos, tudo isso'”, acrescentou a norte-americana, que voltou a tratar do assunto após conquistar o título em Paris. Ela ainda fala sobre a opção de manter a mãe por perto nas viagens do circuito.

“Eles escutam as minhas opiniões. Às vezes ouvimos histórias malucas sobre pais de tenistas e tudo mais, mas posso dizer que não me identifico com isso. Pedi ao meu pai para dar um passo para trás e ele deu. Isso acabou sendo ótimo para nós dois. Já com a minha mãe, pedi que ela viajasse comigo. Tenho uma fisioterapeuta, mas estou em um time cheio de homens. Eu precisava de um pouco de energia feminina aqui, então pedi para minha mãe vir (sorrindo). As mulheres simplesmente percebem mais coisas. No fim do jogo de hoje, minha mãe ficou bem emocionada. Meu pai chorou no US Open, mas não chorou aqui. Foi bom tê-los aqui e poder dar a eles essa experiência. Eles se sacrificaram tanto por isso e estou feliz por poder ter essa experiência com eles”.

A final mais longa de Roland Garros

Já neste domingo, Carlos Alcaraz garantiu o bicampeonato de Roland Garros e o quinto título de Grand Slam da carreira. O espanhol precisou lutar por 5h29 e salvar três match-points contra Jannik Sinner, líder do ranking mundial e que não havia perdido nenhum set no torneio até então. Foi a final mais longa da história de Roland Garros e primeira vez que Alcaraz reverteu uma desvantagem de 2 sets a 0. Por outro lado, amplia seu excelente retrospecto em partidas definidas no quinto set: 13 vitórias e apenas uma derrota. O atual número 2 do ranking também mantém a escrita de nunca ter perdido uma final de Slam. Não é tarefa fácil.

Alcaraz teve uma temporada de saibro praticamente perfeita. Foi campeão dos Masters 1000 de Monte Carlo e Roma, finalista em Barcelona e só não jogou em Madri por uma lesão no adutor — que já havia comprometido seu desempenho nos dois últimos jogos na Catalunha — E com apenas 22 anos, já tem todos os grandes títulos no saibro. Números nadalescos. Aliás, cabe a curiosidade: O quinto título de Grand Slam veio exatamente com a mesma idade que o ídolo Rafa tinha quando triunfou na grama de Wimbledon em 2008: 22 anos, 1 mês e três dias.

Desde cedo, Alcaraz precisou lidar com a pressão de se tornar um sucessor de Nadal ou até mesmo com comparações. E isso vem desde os 15 anos, com as primeiras vitórias em challenger e números de precocidade que se assemelhavam ao do ídolo. Teve a chance de jogar contra Nadal em Madri no dia de seu aniversário de 18 anos. Um ano depois, derrotou Rafa no mesmo palco. Anos depois, nos Jogos Olímpicos de Paris, tiveram a oportunidade de atuar lado a lado nas duplas. E a cada feito, as comparações são inevitáveis. Fizemos agora mesmo nesse texto, dada a coincidência das idades.

“Sinceramente, sobre coincidência de ganhar meu quinto Grand Slam na mesma idade que o Rafa Nadal, vou dizer que esse é o destino. É uma estatística que vou guardar para sempre, ganhar o quinto Grand Slam ao mesmo tempo que o Rafa, meu ídolo, minha inspiração. É uma grande honra. E espero não parar por aqui”, disse o espanhol na coletiva de imprensa deste domingo.

A armadilha das comparações
Foto: Andre Gemmer/Greenfilmes

Ao longo dos anos, incontáveis jogadores espanhóis já foram “Novos Nadais”. Dois nomes de maior destaque até já abandonaram o circuito, Carlos Boluda — comparado por conta de títulos do Les Petits As, de 14 anos — e Javier Martí, que anos depois se destacou como treinador de Paula Badosa. Dissociar-se da imagem de Novo Nadal e criar a própria história, à sua maneira, é uma missão hercúlea, assim como foi vencer uma batalha de 5h30 numa final de Roland Garros. E ciente de todas as dificuldades, o próprio Alcaraz diz em seu documentário: “Não sou o Rafa”.

Gauff é outra que viveu a armadilha das comparações. Ainda aos 13 anos, quando disputava o torneio juvenil de Roland Garros, falava em “quebrar os recordes de Serena Williams”. O fato de também ter passado pela academia de Patrick Mouratoglou, então treinador de Serena, contribuía ainda mais para isso.

O legado das irmãs Williams na história do tênis é inesgotável. Se hoje vemos Sloane Stephens, Naomi Osaka, Madison Keys e Coco Gauff com carreiras consolidadas e títulos de Grand Slam foi porque Serena e Venus mostraram que o caminho no tênis era possível. Mas nenhuma delas teve que lidar com tantas comparações — e desde tão cedo — quanto Gauff, que surgiu já num cenário de despedida das multicampeãs.

Coco já foi uma pequena menina de 8 anos curtindo o Kid’s Day do US Open das arquibancadas do Arthur Ashe Stadium. Lidar com tanta pressão, vencer e inspirar novas gerações para continuar esse legado também não é tarefa fácil.

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Ronildo
Ronildo
3 horas atrás

Excelente matéria. A Gauff tem demonstrado enorme maturidade no circuito.

Ernani chaves
Ernani chaves
3 horas atrás

Ótima análise! Lembrei das expectativas que cercam o Joao Fonseca!

Jornalista de TenisBrasil e frequentador dee Challengers e Futures. Já trabalhou para CBT, Revista Tênis e redações do Terra Magazine e Gazeta Esportiva. Neste blog, fala sobre o circuito juvenil e promessas do tênis nacional e internacional.
Jornalista de TenisBrasil e frequentador dee Challengers e Futures. Já trabalhou para CBT, Revista Tênis e redações do Terra Magazine e Gazeta Esportiva. Neste blog, fala sobre o circuito juvenil e promessas do tênis nacional e internacional.
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