A grama (pasto) é para as vacas

A frase “a grama (pasto) é para as vacas” pertence ao folclore do tênis. Ninguém sabe exatamente o seu autor. Nos primórdios das minhas coberturas internacionais era atribuída ao argentino Guillermo Vilas, um dos reis do saibro. O genial brasileiro Thomaz Koch jura que é do equatoriano Pancho Segura, mas muitos outros jogadores também a usaram, como Marcelo Rios e Ivan Lendl.

Para mim, a mais impactante declaração veio de Arantxa Sanchez. Ela tinha acabado de vencer surpreendentemente a super campeã Steffi Graf em Roland Garros e já teve de falar de seu então futuro na grama. É que, como curiosidade, os jornalistas britânicos sempre arrumam um jeito de se referirem a Wimbledon. Não importa o momento, como este da espanhola que vivia o dia mais glorioso de sua vida.

A mudança do saibro para a grama foi por muito tempo como da água para o vinho, e hoje já nem tanto. As diferenças, porém, sempre são assustadoras. Vale lembrar que na centenária história do Grand Slam, três deles eram jogados na grama, como Australian Open, Wimbledon (único que segue até hoje) e US Open.

Por muito tempo a superfície de grama caracterizou-se pelo estilo agressivo de saque e voleio. Tanto é que na segunda semana de Wimbledon, a quadra ficava desgastada em forma de triângulo. Hoje em dia, com o uso de empunhaduras bem mais arrojadas seguras e eficientes, poucos se arriscam a subir loucamente à rede e o desgaste fica mesmo na linha de base.

Há também de se considerar outro motivo. Cansados de ouvirem reclamações das poucas trocas de bolas, com muito mais tempo de bola parada do que em jogo em muitos e muitos duelos, os organizadores do All England Club – sempre conservadores – decidiram tomar uma atitude inovadora. Contrataram um outro jardineiro com a missão de deixar a superfície mais lenta e proporcionar um jogo mais agradável.

É importante destacar que os britânicos são mestres quando o assunto é grama, e o jardineiro de Wimbledon é considerado um gênio e recebe compensações inigualáveis. Já há alguns anos, a superfície é a ‘perennial ryegrass’. Tem raízes profundas e assim quase não altera o pique da bola. Também possui a característica de tornar o jogo mais lento, com um quique mais alto, que depende basicamente do solo e, por isso, nos dias quentes e secos tudo fica mais rápido.

Vale lembrar que todas essas informações recebi pessoalmente no ano que foi realizada a mudança e estava em Wimbledon. Nem sei se precisaria destacar e até fiquei na dúvida, mas depois de refletir resolvi informar que a cadeira número 220 da fila M na Quadra Central era reservada ao jornalista Francisco Moreira. E a forte recomendação é de quando não fosse usar, avisar com boa antecedência para o lugar não ficar vazio num espaço tão concorrido. Essa honra e respeito recebi bem antes da Era Guga.

Detalhe importante, diferentemente de outros tempos, é que muitos jogadores não precisam adaptar seu estilo à grama. Novak Djokovic é um dos exemplos mais marcantes disso. Parece que joga igual em qualquer superfície. Vejo que dois dos mais fortes tenistas da atualidade, como Jannik Sinner e Carlos Alcaraz também têm essa capacidade.

Para facilitar a adaptação de diversos jogadores, o tradicional All England Lawn Tennis and Croquet Club viu-se forçado a quebrar outro protocolo centenário e mudou a data da competição. Antes era jogado duas semanas após Roland Garros, agora são três.

Por tudo isso, tradição e pompa, os jardins de Wimbledon estão prestes a se transformarem num dos mais emocionantes campos de batalha com a presença dos mais geniais tenistas do circuito mundial. É um torneio ímpar que leva a especiais emoções.

18 Comentários
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Luiz Correia
Luiz Correia
3 meses atrás

Será que já não é tempo de testarem o jogo em grama sintética? Na segunda semana de Wimbledon as quadras parecem de areia, não de grama.

Vitor Belina
Vitor Belina
3 meses atrás
Responder para  Luiz Correia

Eu já acho que eles tinham que ter aquelas tecnologias de campo de futebol e trocar o gramado, nem que fosse só a parte de trás da linha de fundo que é onde judia mesmo,

Neri Malheiros
Neri Malheiros
3 meses atrás

Chiquinho, seu texto recheado de curiosidades sobre o Grand Slam mais antigo deixou para trás justamente aquela que para você é “a mais impactante declaração” sobre a ‘grama sagrada’, vinda da espanhola Arantxa Sanchez. Por favor, depois de atiçar-nos, satisfaça mais essa outra curiosidade.

Neri Malheiros
Neri Malheiros
3 meses atrás
Responder para  Chiquinho Leite Moreira

Quer dizer que Arantxa não deixou barato e igualmente fez uso da frase espirituosa que entrou para o folclore e anais do tênis (risos). Agradeço pelas informações e detalhamentos de passagens extraquadra e de bastidores que só quem esteve lá, ao vivo, pôde ver e ouvir para depois relatar aos(às) fãs do esporte.

Francisco
Francisco
3 meses atrás

Xará, qual era o tipo de grama usada em Wimbledon antes da troca do piso a que se referiu?

Fernando
Fernando
3 meses atrás

Caro Chiquinho, e a nossa amiga Bia Haddad? Já foi bem na grama mas começou mal a temporada com derrota já na primeira rodada. Alguma esperança de melhoria a curto prazo?
Abraço

Vitor Belina
Vitor Belina
3 meses atrás

Se alguém se interessar em plantar a grama aqui no Brasil tem que buscar sementes de azevem perene hehe.

Jorge
Jorge
3 meses atrás

Chiquinho tem altas histórias pra contar. Precisa escrever mais neste espaço!

Ricardo Ortegal
Ricardo Ortegal
3 meses atrás

Chiquinho, e o har-tru utilizado no US Open? Esse tipo de piso chegou a ser bem difundido na época? E por que não vingou?

Luiz Neto
Luiz Neto
3 meses atrás
Responder para  Chiquinho Leite Moreira

Chiquinho, então fora os dias do US Open tenistas amadores podem jogar nas quadras do US Open em Flushing Meadows? E tens ideia do valor de uma hora de quadra para se jogar lá?

André Aguiar
André Aguiar
3 meses atrás

Chiquinho, assistindo in loco desde a fila M e à parte o número de títulos, quem te impressionou mais em Wimbledon: Becker, Borg, McEnroe, Sampras ou Federer?

DANILO AFONSO
DANILO AFONSO
3 meses atrás

Chiquinho parabéns pelo texto !! Creio que esse foi seu melhor texto neste blog.
Abs !!

Jornalista especializado em tênis, com larga participação em diversos órgãos de divulgação, como TV Globo, SporTV, Grupo Bandeirantes de Comunicações e o jornal Estado de S. Paulo. Revela sua experiência com histórias de bastidores dos principais torneios mundiais. Já cobriu mais de 70 Grand Slams: 30 em Roland Garros; 21, no US Open; 18 em Wimbledon; e 5 no Australian Open.
Jornalista especializado em tênis, com larga participação em diversos órgãos de divulgação, como TV Globo, SporTV, Grupo Bandeirantes de Comunicações e o jornal Estado de S. Paulo. Revela sua experiência com histórias de bastidores dos principais torneios mundiais. Já cobriu mais de 70 Grand Slams: 30 em Roland Garros; 21, no US Open; 18 em Wimbledon; e 5 no Australian Open.

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