Como mensurar uma lenda?

Por Robson Couto
De Ponta Grossa/PR

Um dos assuntos que mais repercute e polemiza entre blogs, rodas de amigos e até mesmo comentaristas é a comparação entre jogadores para se eleger o maior de todos os tempos. Diversos são os argumentos usados desde a estética do jogo, dificuldade dos adversários enfrentados, ofensividade ou simplesmente os títulos e recordes conquistados.

Particularmente, acredito que existem quatro aspectos que devem ser considerados para avaliar o quanto um jogador foi grande dentro de quadra: 

  1. Aspecto técnico: apesar de a maioria dos jogadores executarem bem os golpes, existem aqueles que se destacam em alguns fundamentos. Como não lembrar do forehand de Fernando Gonzáles ou de Juan Martin del Potro, o belíssimo backhand de Stan Wawrinka, os voleios de Boris Becker, os smashes de Pete Sampras… Porém, existem aqueles jogadores em que a raquete parece ser a extensão do corpo e a técnica traz sempre algo diferente com um lance mágico e totalmente desconcertante. Se um cientista fosse descrever esse tipo de jogador o nomearia como “um jogador de elevada entropia” tamanha a sua imprevisibilidade. Nesse aspecto destaco dois nomes: primeiro Bjorn Borg, o homem que vencia no lento saibro de Roland Garros e depois repetia a dose na grama veloz de Wimbledon, no tempo em que a diferença entre as velocidades do jogo eram muito maiores que nos tempos atuais. O segundo é Roger Federer, acostumado a tirar algum coelho da cartola a ponto de deixar adversários perplexos e sem reação. Como não lembrar do lance icônico na final do ATP Finals de 2012 em que Novak Djokovic, após levar a passada, fez uma expressão de admiração acenando positivamente com a cabeça? Provavelmente as frases que passaram na sua cabeça foram algo do tipo “como foi que ele fez isso?”, ou ainda “por essa eu não esperava”. Assim, não há como não levar o critério da técnica na avaliação de um mito do esporte. Todavia, só isso não é suficiente para moldar um grande campeão, ou seja, ainda é importante que sejam abordados mais três aspectos.
  2. Aspecto tático: aqui temos um grande diferencial capaz de fazer com que se mude completamente a história de uma partida. Esse critério não se baseia unicamente em estudar o adversário e aplicar um plano de jogo com excelência e sim na inteligência de buscar respostas e obter alternativas quando as coisas não dão certo. Dois nomes também são destaque quando se fala de tática: Bill Tiden, o homem que mesmo tendo jogado há um século, é considerado por muitos como o precursor do tênis moderno, ou o “enxadrista do tênis” em virtude de suas estratégias e táticas que fizeram com que dominasse o esporte em sua época. Outro nome que se destaca é Djokovic, “aquele que faz com que o adversário não bata uma bola sequer confortável”. Djokovic conhece os pontos fortes e principalmente as deficiências no jogo do adversário e sabe explorá-las como ninguém. Isso já o fez retornar em jogos praticamente perdidos e frustrar adversários que viam suas confianças se esvaírem enquanto os erros não forçados se acumulavam. Na final do Australian Open de 2013, por exemplo,  Djokovic via um Andy Murray dominante e cada vez mais incisivo, foi quando deixou de jogar com bolas retas e passou a variar o jogo com bolas altas e sem peso, slices e subidas à rede. Inesperadamente, Murray começou a se perder e viu o adversário levantar mais um troféu em solo australiano enquanto reclamava consigo mesmo, inconformado com cada bola na rede que insistia em acertar.
  3. Aspecto físico: quando se fala de um esporte em que as partidas podem chegar a horas, o preparo físico é fundamental para que se consiga manter a consistência ao longo da partida. Com a evolução das pesquisas, muito se progrediu nas áreas da fisiologia e da educação física, mas antes disso Ivan Lendl já impressionava por seu preparo e dedicação ao esporte. Porém, um tenista que levou o preparo físico a um outro patamar foi Rafael Nadal. O “Touro Miúra” chegava em bolas quase impossíveis e fazia o adversário sempre ter que jogar um lance a mais. Seu jogo baseado em golpes potentes cheios de spin e um contra-ataque fulminante, moldados para o saibro, levavam à exaustão qualquer um que ousasse manter longos ralis com ele. Principalmente na quadra Philippe Chatrier “vencer Nadal é uma missão tão ingrata quanto subir o Everest”. Posteriormente, Djokovic também se tornou um jogador com preparo físico invejável, o que fez com que o duelo “Djokodal” muitas vezes se estendesse por horas, vide a final do Australian Open de 2012 com 5 horas e 53 minutos, a final mais longa da história do tênis.
  4. Aspecto mental: talvez esse seja o grande divisor de águas entre os grandes jogadores e os grandes campeões. Conseguir manter a calma em finais de Grand Slam, fazer a escolha da jogada certa nos pontos importantes, evitar uma dupla falta em um break-point ou apagar da mente um ponto perdido e continuar focado no próximo lance são muitas vezes desafios que muitos falham. Dentre os jogadores com grande força mental destacam-se a frieza de Bjorn Borg, o sempre aguerrido Jimmy Connors, além dos grandes mestres em renascer como uma Fênix: Nadal e Djokovic. Era impressionante como alguns jogadores já entravam em quadra com o psicológico abalado quando viam esses adversários do outro lado da quadra. 

Dentro dos aspectos acima abordados, caberiam ser também citados nomes como os de Rod Laver, Andre Agassi, John McEnroe, Roy Emerson ou Ken Rosewall, entre outros. Mas sem dúvidas, os jogadores que mais evoluíram nesses quesitos foram mesmo os do Big 3. Porém, nem mesmo eles conseguiram dominar completamente os quatro aspectos: Djokovic aprimorou muito seu aspecto técnico, mas qualquer torcedor Nolista sente um arrepio quando vê aquela bola alta e ele se preparando para um smash. Federer possuía uma teimosia intrínseca de querer ganhar jogando da maneira preferida do adversário, o que vai contra qualquer princípio de plano tático (a derrota para Tomas Berdych nas quartas de final do US Open de 2012 é um exemplo disso)! Já Nadal falhava brutalmente na sua estratégia de participação nos torneios, visto que mesmo sabendo de seus problemas físicos no pé e joelho, não perdia a oportunidade de fazer exibições e ter um calendário inflado, o que muitas vezes não dava tempo para uma plena recuperação do corpo e acarretava várias contusões (até hoje fico imaginando caso ele não tivesse feito aquelas exibições com Casper Ruud, se poderia ter evitado sua derradeira contusão no quadril). 

Uma lenda do tênis renuncia a tempo em família, lazer, refeições. Sente dor, frustações e incertezas, mas tudo isso ainda é justificado por seu amor ao esporte. Por isso, independente da preferência, devemos respeitar esses grandes atletas e podemos nos orgulhar de termos apreciado os maiores jogando ao mesmo tempo. 

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Paulo H
Paulo H
4 horas atrás

Texto muito bom e isento de achismos, mostrando que a qualidade inata de um grande esportista deve ser balanceada com uma dose extra de apuro físico e destreza mental. Em resumo, muito sacrifício para colher os ótimos frutos no futuro.

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