Foi uma honra torcer por Nadal

Por Fernando Vieira Peixoto Filho, Professor Associado de Língua Portuguesa
Rio de Janeiro/RJ

Deu a lógica na partida entre Carlos Alcaraz e Rafael Nadal no Six Kings Slam Tennis, em Riad – Arábia Saudita: duplo 6/3 para o mais jovem. Aliás, foi possível perceber certo constrangimento de Carlitos diante do maior nome do tênis do seu país em todos os tempos. Diante de um Nadal visivelmente fora de forma, com físico bastante prejudicado pelas inúmeras lesões, não foram muitas as jogadas espetaculares com que já nos acostumamos quando Alcaraz entra em quadra.

A propósito, arrisco dizer que Federer e Djokovic não foram os mais difíceis desafios da extraordinária carreira de Nadal. Acima de lutar contra seus rivais do Big 3, o espanhol lutou contra as lesões, que desde o início pareciam condenar sua carreira ao fim precoce. A chamada Síndrome de Müller-Weiss, lesão crônica no pé esquerdo, fez Rafa sofrer uma barbaridade ao longo dos seus 20 anos de carreira em alto nível. Ao tempo em que, com apenas 17 anos, assombrou o mundo com uma fantástica vitória sobre o suíço número um do mundo em Miami, Nadal já começava a perceber que havia algo errado com o seu pé.

Mas não ficou só nisso. Joelhos, punho, costas, coxa, até a derradeira lesão no quadril no AO 2023 diante de Mackenzie McDonald. Estava 6/4, 4/3 para o americano e 15 iguais; Rafa corre em uma bola no seu lado esquerdo e sente o quadril. Mais uma grave lesão; porém, daquela vez, insuperável. O espanhol não mais voltaria triunfante, como fizera em 2013. Perdia-se ali a derradeira batalha, não contra McDonald, mas contra as lesões que insistiram em judiar do seu físico ao longo de duas décadas de títulos e glórias.

Sim, títulos e glórias. Mesmo lutando contra as insistentes contusões, em parte oriundas do seu estilo lutador, sua natureza de jamais desistir, Rafael Nadal ganhou 14 vezes Roland Garros, 4 vezes o US Open, além de 2 títulos de Wimbledon e mais 2 no Australian Open. Isso sem contar a medalha de ouro olímpica em 2008 e os 36 títulos de Masters 1000. Novak Djokovic o superou em quase todos os recordes, tornando-se o maior jogador da história. Há um, entretanto, que seguirá imbatível: os 14 títulos do Aberto da França. Mais do que qualquer outra superfície, o saibro exige resiliência, técnica apurada e perna – muita perna! Seu top spin avassalador fez os adversários terem inúmeros pesadelos na Philippe-Chatrier, a mais importante quadra de saibro do planeta.

Todavia, não termino este texto abordando o saibro, a terra batida da qual Nadal foi, é e sempre será o Eterno Rei. Meu coração me manda falar do Aberto da Austrália e de outra quadra icônica para o tênis: a Rod Laver Arena. Nessa quadra, houve três momentos extremamente simbólicos, que demonstraram não somente um tenista inigualável, mas um ser humano de primeira grandeza.

A final de 2022. Mesmo sendo um fã incondicional do espanhol, não acreditava mais naquele título. Foi uma campanha muito desgastante. Achei sinceramente que as mais de quatro horas diante de Denis Shapovalov, sob forte calor, acabariam de vez com um físico que já não estava 100%. Mas Rafa foi em frente. Depois de passar pelo agressivo (em todos os aspectos) e jovem canadense, venceu a semifinal contra Matteo Berrettini até com certa facilidade. A direita cruzada e cheia de efeito do espanhol fez um considerável estrago no frágil backhand do italiano. E veio a final contra Daniil Medvedev, que por pouco não tirara o título de Rafa no US Open 2019. O russo, reconhecido especialista em quadra dura, uma verdadeira parede, abriu 2 sets de vantagem. Mesmo manquejando um pouco, com visíveis dores no problemático pé esquerdo, Rafa não se deu por vencido. Resiliente, sem as conhecidas manifestações de vibração para economizar energia, o espanhol virou um jogo que 90% dos analistas consideravam perdido. Era o 21º. título de Grand Slam, o que na época o colocou à frente dos rivais Federer e Djokovic, ambos com 20 títulos.

A final de 2012 – a mais longa final de Slam da história. Tudo conspirava para mais uma vitória épica de Nadal. 2 sets a 2, 4/4 no quinto set. Novak Djokovic cai em quadra depois de um longo e intenso rali. O sérvio parecia esgotado, superado pelo incansável espanhol. Que nada! O maior da história voltou, mais forte do que nunca. No final, foi o físico de Djokovic que venceu. Os dois mal conseguiam ficar de pé na cerimônia de premiação. Foi um título que era de Nadal, mas que, pelos estranhos meandros do destino, ficou nas mãos do sérvio.

A cerimônia de premiação em 2009. Roger Federer chorou copiosamente, pois sonhava alcançar o recorde de 14 grand slams de Pete Sampras. Rafa o impediu de fazer isso em Roland Garros e Wimbledon 2008 e mais uma vez ficava com o título em Melbourne numa eletrizante final de 5 sets. Nadal tomou para si a dor do suíço e o abraçou carinhosamente: “Vai lá, meu amigo. Você é grande. Vai lá e faz seu discurso.” Roger não conseguiu conter as lágrimas, mas se estruturava ali a mais importante e bonita rivalidade/amizade do circuito: dois estilos completamente distintos, dois jogadores amados e respeitados pelo planeta, não somente pelo que fizeram nas quadras, mas pelo que representaram fora delas.

Obrigado, Rafael Nadal Parera. Foi uma honra torcer por você.

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João Sawao ando
João Sawao ando
10 horas atrás

Belo texto Fernando Vieira. Apesar de eu ser fã do Roger Federer .muito bonito mesmo seu texto

Fernando
Fernando
7 horas atrás
Responder para  João Sawao ando

Obrigado, João!

José Andrade
José Andrade
9 horas atrás

Texto espetacular. Um bosquejo que coloca aos nossos olhos e crava na nossa mente o que esse grandioso atleta fez para o mundo do esporte.
Parabéns!

Fernando
Fernando
7 horas atrás
Responder para  José Andrade

Obrigado!

Samuel, o Samuca
Samuel, o Samuca
9 horas atrás

Magnífico texto. Nadal merece isso e muito mais.
Sobre recordes eventualmente o fã comete alguns deslizes que merecem perdão, por ser coisa de fã.
Más a verdade merece estar acima de tudo.
Recentemente um articulista escreveu no site da ESPN que as 81 vitórias consecutivas de Nadal no saibro é um recorde de invencibilidade entre homens e mulheres sobre qualquer superfície. Pelo que eu saiba a Chris Evert é mulher e venceu 125 partidas, consecutivamente sobre o saibro. Portanto, a espetacular série obtida por Nadal está a anos-luz de distância da obtida pela americana.
As quatorze conquistas obtidas por Nadal em Roland Garros são formidáveis, más estão muito distantes do recorde de Margareth Court, 62 títulos de Grand Slam sendo no mínimo dos títulos em cada e considerando todas as opções: simples, duplas e mistas. Seria como comparar a Terra com a Via Láctea.

Fernando
Fernando
7 horas atrás
Responder para  Samuel, o Samuca

Obrigado!

GUSMÃO
GUSMÃO
6 horas atrás

Poxa, como já tinha dito em outro comentário, como é difícil e doído ter que assistir o fim de uma era! Federer, Nadal e daqui a mais um pouco o Djoko. O tênis ainda estará bem representado pelo Alcaraz e o Sinner (quiçá, quem sabe também pelo João Fonseca), mas não será a mesma coisa, pois os três escreveram uma história que, talvez, não se repetirá mais, ou seja, três LENDAS coexistindo ao mesmo tempo; mas, porém, entretanto fazer uma menção honrosa para Murray, Wawrinka, David Ferrer e Tomas Berdych, que protagonizaram bons duelos com os três, jogando muitas das vezes de igual para igual.

Douglas Santana
Douglas Santana
5 horas atrás

Um texto excelente para um atleta excelente. Parabéns

Fernando
Fernando
16 minutos atrás
Responder para  Douglas Santana

Obrigado, Douglas!

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