Os caprichos dos deuses

Por Neri Malheiros

Aproximava-se a virada de milênio na ocasião em que Zeus recebeu aquele emissário enviado à Terra para averiguar o motivo de tanta tristeza entre os amantes do tênis. Ao terminar de ouvir seu minucioso relato, o ente supremo responsável pela ordem no Universo, com ares de preocupação, mandou chamar Nice, a Deusa da Vitória, para uma longa conversa.  

Assim, por volta do começo do século XXI, quando torcedores do mundo inteiro viam apreensivos se confirmar o fim das carreiras de alguns dos melhores tenistas de todos os tempos e acreditava-se que o esporte jamais seria o mesmo, um jovem suíço profissionalizado em 1998, aos 17 anos, e que antes de ter sido número 1 juvenil coincidentemente tinha atuado como boleiro em um jogo de outra prodigiosa compatriota, pouco a pouco começava a devolver a alegria ao público e a lotar cada vez mais os estádios por aqueles que queriam ver de perto o surgimento do mais novo fenômeno. Nascia ali, com a benção dos deuses, ‘Il Maestro’, um virtuose do tênis mundial e aquele que estava predestinado a quebrar recordes e ser o dono do estilo mais elegante e vistoso entre seus pares. 

Mas Zeus e Nice sabiam que era preciso bem mais que isso para satisfazer os caprichos daqueles terrestres tão mal-acostumados com ídolos como McEnroe, Connors, Wilander, Edberg, Borg, Becker, Courier e Sampras, que, ao se despedirem, deixariam imensas lacunas. Por isso, marotamente, tinham reservado outras aprazíveis surpresas para entretenimentos dos pobres mortais.   

Três anos depois, em 2001, dessa vez vindo da Espanha, um jovem canhoto de 15 anos dava os primeiros passos profissionais de uma carreira notável e seria o mais digno representante de uma das escolas tenísticas ao se tornar o indiscutível rei do saibro e detentor de um dos recordes mais impressionantes do esporte exatamente naquele que é considerado o templo da terra batida. Para ele, ‘El Toro Miura’, Nice reservara um físico privilegiado, uma tenacidade e resiliência impressionantes para conseguir superar uma série de lesões e prolongar surpreendentemente sua incrível carreira para júbilo da legião de fãs e dos amantes desse esporte.   

Da minúscula e quase desconhecida Sérvia, surgido dos escombros de uma guerra étnica, viria o terceiro escolhido dos deuses do Olimpo. Profissionalizado em 2003, aos 16 anos, seria o menos precoce dos três e, por um bom tempo, a ele parecia estar destinado o papel de coadjuvante do suíço e do espanhol. Porém, Zeus e Nice também tinham seus caprichos.  Talvez inspirados no dinamarquês Andersen, autor do conto “O patinho feio”, a ele tinham reservado uma carreira ainda mais gloriosa. Igualmente dotado de físico invejável e de força mental incomum, ao tenista elástico e dono de uma das mais extraordinárias esquerdas e de devoluções fantásticas, caberiam uma determinação e obstinação ainda maiores por títulos, vitórias e recordes que às de seus dois predecessores e principais oponentes. Último remanescente dos três, a recente conquista da medalha de ouro nas Olimpíadas de Paris o fez igualar-se a Agassi, outra lenda do tênis, como únicos detentores do ‘Super Slam’ entre os homens.  

Assim, com ‘Djokernole’, como ele próprio se identifica, consagrado como o maior de todos os tempos por sua incomparável galeria de troféus e coleção de recordes, completava-se a longeva e magnífica tríade de semideuses do tênis, também conhecida como Big 3, criada para brilhar, entreter e satisfazer os desejos dos mortais por cerca de duas décadas inigualáveis.  

Diz a lenda que o escocês, apontado como o quarto favorito das divindades, foi uma forma meio torta, diga-se de passagem, de homenagear o Reino Unido, afinal, nada menos que o berço do torneio mais antigo do mundo e daquele que é considerado o verdadeiro templo desse esporte (e, sabidamente, os deuses sempre tiveram uma certa ‘quedinha’ por templos). Quanto ao mais jovem espanhol e ao italiano que recentemente despontaram no circuito, esses seriam como a primeira fornada da resposta já planejada por Zeus e Nice àqueles amantes do tênis mais pessimistas e desconsolados que, precipitadamente, outra vez davam como certo o fim dos tempos áureos da modalidade esportiva preferida de todo Olimpo. No afã de enxergar novos talentos aqui e acolá, alguns já veem um novo substituto do maior tenista brasileiro. Porém, diante de deuses tão excêntricos, convenhamos que nada disso parece garantido.   

PS: E quanto ao circuito feminino, o preferido de Zeus, que sempre arranja um jeito de ficar de olho nas belas mortais? Bem, esse é assunto para uma outra crônica… 

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