Felipe Priante
Um dos três melhores brasileiros da atualidade nas duplas, o gaúcho Marcelo Demoliner conseguiu se consolidar de volta no top 100 na temporada anterior, depois de enfrentar problemas no joelho no final de 2021 e boa parte de 2022 que o fizeram perder não apenas vários meses de competição como posições no ranking. O começo de 2024 não tem sido dos melhores para o tenista de 35 anos, que venceu somente uma partida em challenger e perdeu as cinco que disputou em nível ATP. Apesar disso e de não ter parceiro fixo, ele acredita que possa dar a volta por cima e buscar sonhos mais altos.
“Agora que estou 75, 80 fica cada vez mais difícil conseguir alguém fixo para jogar os maiores torneios. Facilita para jogar alguns challengers, mas o que eu busco são os maiores torneios. O que eu preciso é um bom resultado em um torneio grande para me reposicionar de novo ali perto do top 50, que é onde se consegue fazer mais parcerias fixas, porque aí já me garante nos 250 e em alguns 500, entro nos Grand Slam com certeza. Só que agora meu ranking não está tão legal, não tenho vencido muitos jogos”, comentou Demoliner em entrevista exclusiva a TenisBrasil.
O gaúcho já tem um plano para buscar uma arrancada mais rápida. “Minha cartada agora é tentar jogar com um simplista bom em algum torneio grande”, afirmou Demoliner, que já jogou algumas vezes ao lado do russo Daniil Medvedev e não descarta uma reedição pontual da parceria. “A gente sempre conversa para reeditar essa dupla. Normalmente ele joga duplas no saibro ou na grama, mas não em torneios de quadra dura que ele é especialista. Estamos sempre em contato, vou pedir uma ajuda para algum torneio grande e de repente role”.
Depois de participar dos Jogos de Tóquio e vencer duas medalhas nos Jogos Pan-americanos de Santiago, no ano passado, ouro nas duplas masculinas e prata nas mistas, Demo sonha em defender o Brasil nos Jogos de Paris, ainda que saiba que a tarefa é árdua. Mas o atual 81 do mundo, que já foi 34º nas duplas, mantém o otimismo e foco no trabalho, não apenas para participar das próximas Olimpíadas, mas também para alcançar sonhos maiores: chegar ao top 10 de duplas e vencer um título de Grand Slam.
Veja como foi a entrevista completa com Marcelo Demoliner:
Você já está no circuito há algum tempo, conversa com todo mundo, tem boas relações com os demais jogadores, mas não tem conseguido arrumar um parceiro fixo. O que te separa de conseguir uma dupla por mais tempo? E como estão as buscas para isso?
Com certeza é uma coisa que estou buscando, a questão do ranking influencia muito na busca de uma parceria fixa. Agora que estou 75, 80 fica cada vez mais difícil conseguir alguém fixo para jogar os maiores torneios. Facilita para jogar alguns challengers, mas o que eu busco são os maiores torneios. O que eu preciso é um bom resultado em um torneio grande para me reposicionar de novo ali perto do top 50, que é onde se consegue fazer mais parcerias fixas, porque aí já me garante nos 250 e em alguns 500, entro nos Grand Slam com certeza. Só que agora meu ranking não está tão legal, não tenho vencido muitos jogos. Vou tentar agora pegar algum simplista bom para jogar algum torneio grande e fazer um bom resultado. A matemática das duplas é muito difícil. Mas como tu falou, tenho um relacionamento bom com a maioria dos jogadores, muitos me conhecem e fica mais fácil de conseguir jogar com gente boa. Isso vai me facilitar jogar os torneios grandes, pelo menos é assim que eu espero. Minha cartada agora é tentar jogar com um simplista bom em algum torneio grande e torcer para que esse simplista jogue 100%, porque sabe que tem esse risco. Obviamente eu não vou torcer para ele perder cedo, mas se ele perder eu tenho mais chance de completar o torneio. Nessa faixa de ranking dos 80 para os 100 é mais difícil de conseguir um parceiro de qualidade, não desmerecendo quem está nessa posição, mas olhando para onde eu almejo chegar, preciso de alguém com qualidade acima do normal, para que eu consiga mais fácil os resultados, principalmente nos torneios grandes.
Nas últimas semanas você tem jogado com um número muito grande de parceiros diferentes. Como é o planejamento para definir os torneios e com quem vai jogar?
Nessa situação a gente vai por ciclos, por exemplo a temporada do saibro (europeu) até Roland Garros, e tenta jogar com um ou no máximo dois parceiros, para não ficar trocando muito. Mas também depende porque todo mundo já está emparceirado, principalmente nessa época do ano. Na grama é tentar pegar um especialista que jogue bem na grama. Mas é o que te falei, preciso encontrar alguém que jogue bem para entrar nos torneios grandes, porque o ranking de simples conta para entrar nos torneios de dupla. Não tenho muito o que fazer, tenho que perguntar para muitos jogadores para ver qual aceita, mas normalmente as inscrições são 18 dias antes do torneio, então tenho que estar preparado um pouquinho antes para parcerias para jogar os torneios. Agora vou tentar mirar ali em parcerias boas com simplistas para melhorar meu ranking e daí ter a possibilidade de pegar um duplista bom para seguir adiante.
E você tem alguns nomes com quem você pensa em jogar? Dá para falar?
Como não está fechado e não conversei a fundo sobre isso…quero pegar alguém bom para Roland Garros, que é um torneio que vale 2 mil pontos, então chegar nas quartas, semi ou final, já me meteria de volta entre os 40 ou 50, então pegando alguém de qualidade acredito que tenha muito mais chance de subir rápido. Eu agora quero subir rápido, de repente fazendo um resultado bom. Eu me encontro bem fisicamente novamente, estou jogando legal e só falta encaixar uma semana boa com algum parceiro.
Por falar em parceiros com ranking bom de simples, um cara que já jogou com você é o Medvedev. Dá ainda para sonhar jogar com ele? E como é seu contato com ele atualmente no circuito?
A gente tem uma amizade muito próxima, todos os torneios que a gente está junto a gente conversa e dá risada. Tanto com ele como o treinador dele, por quem tenho também um carinho especial, é um grande cara. A gente sempre conversa para reeditar essa dupla. Normalmente ele joga duplas no saibro ou na grama, mas não em torneios de quadra dura que ele é especialista. Quando ele joga um torneio que sabe que tem chance de ganhar ele não arrisca na dupla. Estamos sempre em contato, vou pedir uma ajuda para algum torneio grande e de repente role essa reedição da dupla. É sempre um prazer jogar com ele, um cara que tem um carinho muito grande por mim. Quando a gente estava nos torneios grandes sem jogar, ele pedia minha ajuda para treinar voleios. O treinador dele me dava meio que essa autoridade nos treinos para só eu falar sobre o voleio. A gente fez vários treinos só de voleio, que era o déficit muito grande dele nas duplas. É uma coisa que ele vem melhorando muito, também está cada vez mais confiante em simples e alcançou um outro patamar. Antes ele tinha muito medo, hoje ele já vai encarando de uma maneira diferente; é muito legal ter participado de alguns treinamentos e deles terem me aberto a porta, foi muito legal e prazeroso. Espero poder reviver essa dupla.
Hoje em dia as subidas à rede e os voleios estão cada vez mais escassos. Na sua opinião, quem são os melhores voleadores do momento no circuito?
Na minha época quando eu jogava simples, ia muito para a rede, fazia muito saque e voleio, chip and charge, era outro estilo de jogo, mas também era um estilo que ainda se encaixava naquele momento. Hoje em dia o tênis se tornou muito lento, com pisos mais lentos e bolas mais lentas. Então está cada vez mais difícil chegar na rede com facilidade. Os caras também estão mais rápidos e encontram buracos muito mais fácil hoje em dia. Os melhores voleadores hoje em dia acho que são poucos, a maioria dos jogadores de simples só vai para a rede para matar o ponto em bolas muito fáceis. Um cara que eu acho muito bom na rede é o (Pierre-Hugues) Herbert, um francês que tem estilo bastante agressivo e está voltando de lesão. Vou ter que pegar aqui a lista para lembrar outros nomes (pegando o celular para ver o ranking). Não está fácil, o (Hubert) Hurkacz tem um voleio ok, um dos melhores no top 10, (Grigor) Dimitrov tem um baita voleio, (Jan-Lennard) Struff tem um bom voleio também, é um cara bastante agressivo e já estou no top 30. (Christopher) Eubanks também é um grandão sacador que tem um voleio legal, os outros só vão para cumprimentar o adversário na hora de sair de quadra. No top 50 são poucos, uma pena, porque é bacana ver o jogo de alguém que vai bastante na rede.
Atualmente são raros os torneios com quadras realmente velozes, talvez um pouco mais nos torneios indoor no final da temporada.
As quadras estão cada vez mais ásperas e as bolas estão ficando grandes, mas eles fazem isso para ter mais jogo, para quem assiste ter mais ralis. Concordar eu não concordo, mas o tênis é um business muito grande e precisa disso.
Por falar em negócio, você começou com os seus vídeos falando dos bastidores do tênis faz um tempo. De onde surgiu essa ideia e como foi tirá-la do papel? E hoje em dia, você já se sente mais confortável nesse papel de apresentador?
Foi uma ideia que surgiu do nada, minha mesmo. Não sei se muita gente sabe, mas eu me formei em marketing, estudei dos 26 aos 30 anos, fazendo aulas à distância. O tênis te proporciona um tempo durante as viagens no qual você consegue fazer um monte de coisas. Você tem sua rotina diária que dura umas 5h e tem o resto do seu dia para fazer muita coisa mais. Eu me formei em marketing, coloquei conteúdo dentro da minha cabeça, algo que meu pai sempre me diz: “cultura ninguém te tira, podem te tirar qualquer coisa, mas cultura ninguém vai tirar”. Depois que me formei tive ideias e veio essa dos bastidores, porque pouca gente sabe como é o mundo do tênis realmente, tem os perrengues, tem a questão das viagens longas. E tem as coisas boas também. Como meu nome é Demoliner, trouxe esse nome “Demonstrando” e agora tem também o “responDemo”. Com um time enxuto, estamos criando, fui me aprimorando, tendo menos vergonha. Quero sempre melhorar. E tenho que ver coisas para o futuro, vou jogar mais uns quatro ou cinco anos e isso passa muito rápido, então o que eu faço depois? Tem coisas que eu já penso para o futuro. Estou para lançar a minha marca “Demo”, vamos lançar um produto muito legal no meio desse ano, não vou dizer o que ainda, mas é algo que estamos há um ano fazendo testes e preparando a logística e e-commerce. Já estou mirando no futuro, obviamente o tênis é minha prioridade, espero voltar o quanto antes para o topo das duplas porque quero jogar o próximo ciclo olímpico também. Se puder jogar essas Olimpíadas (Paris 2024) e quem sabe até as outras (Los Angeles 2028) , quem sabe não posso me aposentar depois disso. Ainda tenho lenha para queimar, mas já estou pensando nesse outro braço e sendo visionário para o futuro.
Por falar em ciclo olímpico e olhando para o futuro, neste ano temos os Jogos de Paris e você esteve em Tóquio. Neste ano ainda vai ser em Roland Garros, com todo o glamour, por isso vai ser muito mais difícil conseguir uma vaga. Tentar se classificar é uma das suas metas para 2024?
É um dos objetivos, claro. Sei que é difícil, a pontuação conta até Roland Garros, que é o último torneio que conta para as Olimpíadas. Foi o que te falei, agora minha busca é procurar alguém para dar tiro certos em torneios grandes e subir rápido, aí posso ter a oportunidade de disputar os Jogos Olímpicos de novo. E se não der nessa vou fazer de tudo para ir na próxima. São objetivos que tenho bem traçados para mim.
Ano passado você esteve nos Jogos Pan-americanos, onde conquistou duas medalhas (ouro nas duplas masculinas e prata nas mistas). Como foi sua experiência lá?
Sempre foi um sonho. No último Pan eu estava convocado, mas me machuquei num ATP 250 e não consegui ir e nunca tinha participado. Dessa vez eu machuquei de novo quatro semanas antes, torci feio o pé na China e não falei nada para ninguém por medo de ser cortado. Queria fazer de tudo para jogar uma competição que via na TV desde criança. A energia de jogar pela nação é uma das coisas que eu mais prezo, deixo tudo para defender o Brasil. Dessa vez deu certo, foi para lá e arrisquei. Meu parceiro (Gustavo Heide) jogou muito, tive a sorte também de nosso jogo ter sido na quinta-feira, então tive tempo a mais para treinar. Fomos indo jogo a jogo, queria muito ter uma medalha e no final deu tudo certo. Na decisão parecia Libertadores, uma experiência que nunca tinha passado nem mesmo em Copa Davis, mas nunca senti algo como nessa final do Pan-americano, que era uma hostilidade absurda, que conseguimos canalizar positivamente para vencer o jogo. Já tem até quadro lá em casa.
Como estão suas metas para o ano e a programação para os próximos meses?
Agora com esse meu ranking vou ter que jogar uns challengers para tentar melhorar e tentar conseguir um parceiro como eu falei para dar uns tiros certeiros nos torneios grandes. Tudo vai depender dos resultados de curto prazo para eu ter algo mais concreto para o meio e o final do ano. Eu quero voltar para entre os 30 ou 40 do mundo, que é onde eu acredito que meu nível de jogo está no momento. De lá é fazer novas metas para tentar chegar ao top 10 e ganhar um Grand Slam que são as metas que ainda tenho para minha carreira.
Top 10? Não vai rolar. Tá com um pé e meio na aposentadoria, essa é a verdade. Por que não pensar em ser cartola?
Demoliner já serviu à nação ganhando ouro e prata no Pan ano passado. A partir de agora o que conseguir é lucro, mas é bom começar a pensar na aposentadoria e no que vai fazer depois. É um cara legal, devia pensar em ir pro COB ou coisa assim.
É isso, Marcelo! A sua carreira, só você e mais ninguém sabe até onde pode ir. Muito legal saber que tem esses belos planos e lenha para queimar. Estou e estarei na torcida para que se realizem!