Se Nicklas Kyrgios tivesse seguido sua maior paixão, provavelmente Rafael Nadal ainda estaria agora sonhando com o tricampeonato em Wimbledon. O que esse australiano, que mistura sangue do pai grego com a mãe malaia, sonhava mesmo até os 14 anos era jogar na NBA, no seu Boston Celtics. Mas teve de optar, e seguiu o sonho da família: “Foi a decisão mais dura que já tomei”.
E que decisão. A partir desta terça-feira, ele deixa de ser uma promessa. Derrotou o número 1 do mundo no mais importante torneio do planeta em plena Quadra Central. A maioria treme só de pisar ali, mas desde o primeiro game ele mostrou uma maturidade assustadora, tal qual eu havia visto no jogo em que salvou nove match-points contra Richard Gasquet.
A euforia dos australianos quanto a seu futuro é plenamente justificável. Há dois meses, ele se tornou o primeiro jogador do país a vencer um torneio sobre o saibro em quatro anos. Desde abril, mora na base montada pela Tennis Australia em Munique e só tem previsão de voltar para casa, em Canberra, depois do US Open. Treinado pro Simon Rea, um dos técnicos oficiais da federação australiana, ele se diz inspirado por Pat Cash, Lleytton Hewitt e… Roger Federer.
O suíço convidou Kyrgios para ajudá-lo na preparação para Roland Garros deste ano. O garoto aproveitou cada minuto e, claro, virou fã: “É incrível como Roger trabalha duro, treina firme e ainda se diverte”, contou ele em entrevista ao Fox Sports. “Ele é o melhor de todos e ainda tenta evoluir a cada dia”. Por essas coisas do destino, Kyrgios está perto de algo inimaginável antes de Wimbledon começar: enfrentar o heptacampeão em plena semifinal.
“Acho que a grama combina muito bem com meu jogo”, avalia. “Sou um bom sacador que gosta de ser agressivo no fundo de quadra. São os dois elementos mais importantes em qualquer tipo de quadra, por isso consigo me dar bem também no saibro. Claro que ainda preciso ficar mais forte, mais resistente e somar experiências”.
O arsenal de Nick não é muito diferente de tenistas altos e esguios do circuito, como Marin Cilic. Usa o saque para tentar definir pontos ou aproveitar a segunda bola, com golpes de base muito consistentes. A diferença em favor do jovem australiano é que ele se desloca bem pela quadra, apesar de seus 1,93m, e os golpes de ataque são carregados de efeito e muito próximos à fita. Às vezes, próximos demais. Contra Nadal, fez bobagens junto à rede, mas já vi uma dezena de partidas dele e posso garantir que ele sabe sim volear, como fez contra Gasquet. Tem um extraordinário backhand cruzado e pode melhorar muito o da paralela.
Porém, toda essa qualidade fica ainda mais impactante quando se vê sua postura dentro de quadra. Aos 19 anos e praticamente saindo do juvenil, é frio nos pontos importantes, não vacila em arriscar um winner, tem incrível coragem quando apertado. Dos nove match-points que evitou contra Gasquet, pelo menos seis foram em bolas ousadas. Ganhou hoje dois tensos tiebreaks contra o melhor do mundo. O primeiro fechou com ace. O segundo, com um forehand cruzado espetacular. Quebrou Rafa no quarto game do quarto set e depois disso sacou três vezes, sem hesitar. Errou uma bola boba quando sacava para fechar a partida, e não se abalou um segundo sequer.
Nick terá menos de 24 horas para comemorar o feito. Já estará na Quadra 1 no final da tarde desta quarta-feira para um desafio completamente diferente: o saque e o forehand avassaladores do canadense Milos Raonic, mais um top 10 no seu caminho. Não dá para prever como o australiano irá reagir, e é claro que Raonic, mesmo em sua primeira grande campanha sobre a grama e vindo de ótima partida contra Kei Nishikori, será o grande favorito. Ao menos, um novo rosto está garantido na semifinal.
Outro duelo definido hoje será todo suíço e, com a queda inesperada de Nadal, deve haver motivação extra para Federer e Stan Wawrinka. Com ótimo aproveitamento do saque e dos voleios, Roger não deu chances a Tommy Robredo, como era de se esperar, e tem muito mais histórico nesse tipo de quadra do que o compatriota. Mas é bom ter cuidado, porque Stan fez uma bela exibição contra López, não permitiu um único break-point, ganhou 22 dos 25 pontos na rede e fez até saque-voleio.
A quarta-feira terá também o que pode ser outro grande jogo do torneio, entre Andy Murray e Grigor Dimitrov, outros dois tenistas de estilo muito apropriado para a grama. É o primeiro grande teste do escocês. Já Novak Djokovic é favorito absoluto para derrotar Cilic pela 10ª vez, ainda que o cabeça 1 deva estar preocupado com as zebras que galopam em Wimbledon nos últimos tempos.
Foi assim que Maria Sharapova se despediu ainda nas quartas de final, uma rodada depois de Serena Williams. A façanha coube à canhota alemã Angelique Kerber, que se defendeu com maestria. Ela volta à quadra hoje para encarar Eugénie Bouchard na esperança de fazer uma semi toda nacional contra Sabine Lisicki, que desafia Simona Halep. Jogos bem imprevisíveis, ainda que eu aposte 60% para Bouchard e Lisicki.
A República Tchca, por sua vez, se garantiu na final e verá o duelo de duas canhotas: Petra Kvitova e Lucie Safarova. A campeã de 2011 nunca esteve tão perto do bi e de uma reviravolta na carreira, que parecia um tanto apagada nos últimos tempos.