Se existe um lugar que merece sucesso no tênis, é a França. Estrutura séria, formação bem cuidada, milhares de juvenis nos centros de treinamento, incontáveis quadras públicas. Muito dinheiro, verdade, mas bem empregado. Nunca teve um número 1 do mundo e sofre jejum de 23 anos de títulos de Grand Slam entre os homens, porém o resultado desse cuidado com todos os degraus do esporte é que na próxima segunda-feira eles terão quatro top 20.
O domingo foi iluminado. Começou com o conhecido show de elasticidade, improviso e alegria de Gael Monfils, que atropelou Marcos Baghdatis mostrando estar em excepcional forma física. Depois, veio uma aula extasiante de Jo-Wilfried Tsonga, com seus voleios extraordinários, barrando o último americano da chave, Jack Sock. Quando Jo atinge esse nível atlético e de confiança, consegue ser agressivo com enorme competência e elegância.
Por fim, a surpresa. Bom, quem já viu Lucas Pouille antes não deve ter ficado tão surpreso assim. Um tenista dos mais variados recursos: saque, jogo de base, muita perna, habilidade de rede, ousadia, ótima leitura do adversário e juventude de seus 22 anos. Às vezes, tão entusiasmado que passa do ponto. Daí que derrotar Rafa Nadal numa melhor de cinco sets tão tensa, 80% do público contra, deve lhe dar um novo rumo na carreira.
Foi um jogo atípico em muitos sentidos. Cada jogador dominou amplamente um dos primeiros sets, mas não se esperava que Pouille começasse tão determinado a ponto de anular Nadal completamente. O terceiro set ainda foi mascado, dificilmente os dois jogaram bem ao mesmo tempo e outra vez Pouille encurralou o espanhol com uso brilhante das paralelas.
Como é sua característica, Rafa não se deu por vencido e mudou a postura tática, partindo para o voleio. Talvez nunca tenha subido tanto à rede na sua vida – 48 vezes, 35 pontos – mas era essencial ir lá antes do adversário, que tentou 63 voleios e fez 38. Os dois últimos sets foram de grande qualidade e enorme tensão. Pior ainda o tiebreak final, que viu tremedeira e ponto corajoso dos dois lados. Jogo maluco. Até que Rafa errou um forehand absurdamente fácil. Para ganhar o jogo e fazer história, Pouille disparou o 59º winner. Era sua terceira vitória seguida no quinto set, esta obtida após mais de 4 km de deslocamento de cada jogador.
Está assim garantido um feito para os franceses: três homens nas quartas de Nova York após 89 anos, primeira vez em qualquer Slam da Era Aberta. Mais ainda: Pouille ou Monfils serão um semifinalista inédito no torneio. Tsonga claro também tem uma chance, mas seu desafio se chama Novak Djokovic, que não mostrou qualquer sinal de ferrugem por tão pouco jogo desde segunda-feira e atropelou Kyle Edmund com alguns backhands descalibrados porém vários lances de total genialidade. Apenas uma massagem no cotovelo direito para preocupar.
Destaques
Muito legal ver tenistas como Roberta Vinci e Anastasija Sevastova, que saem completamente da mesmice. As duas têm muita mão e fazem ótimo trabalho perto da rede, variam bem mais os efeitos e velocidades. Vinci obviamente está longe de ser novidade, mas não chegou fisicamente bem ao US Open e está se virando. Tem um grande problema agora diante da consistência de Angelique Kerber.
Sevastova possui uma história bem curiosa, já que se aposentou em maio de 2013 devido a contusões seguidas e voltou ao circuito em janeiro de 2015 em eventos de nível future. Meses depois, foi semi em Floripa diante de Teliana Pereira. Agora, já tirou Muguruza e Konta tendo direito ao melhor ranking (31º). Aos 26 anos, dá ainda para sonhar alto. Fará um duelo bem interessante contra Carol Wozniacki, que enfim adotou um tênis agressivo e parece confiante e, mais importante, confortável.
André Sá carregou um piano da marca Chris Guccione nas costas e retorna às quartas de duplas de um Grand Slam após exatos nove anos. Tudo bem, o gordinho australiano ajudou no tiebreak, mas obrigou o mineiro de 39 anos a se desdobrar na maior parte do tempo. André bem que poderia tentar outra vez a parceria com Marcelo Demoliner. O bom é que, se Bruno Soares for às quartas, fará duelo direto com Sá.
Drops
– Há uma luta direta francesa também pelo top 10. Monfils recupera o posto por enquanto, mas pode ser ultrapassado caso Tsonga vá uma rodada a mais. Pouille, Karlovic e Dimitrov até concorrem, mas teriam de ganhar o campeonato.
– ‘Nick Kyrgios, se você não quer ser um tenista profissional, vá fazer outra coisa. Ele se machuca porque não treina o bastante’, disparou John McEnroe nos comentários para a TV americana.
– Baghdatis tomou advertência por ter consultado o celular na virada de lado durante o jogo contra Monfils devido à possibilidade de instrução. O cipriota discordou: ‘E se eu quisesse apenas olhar as horas?’. Piadista.
– O tênis brasileiro terá um inédito top 100 na próxima segunda-feira, quando sairá o novo ranking mundial. Com o vice de duplas em Curitiba, o gaúcho Fabrício Neis, de 26 anos, irá aparecer pelo menos no 99º posto.