O primeiro Grand Slam do ano ainda está em sua quarta rodada, mas promete uma segunda-feira de exuberante qualidade na chave masculina. Para começo de conversa, confirma-se o choque direto entre Rafael Nadal e Nick Kyrgios e só isso já valeria qualquer ingresso.
O espanhol fez sua melhor partida da semana e talvez de todo o começo de temporada. Como conhece de cor e salteado o jogo de Pablo Carreño, parceiro de Copa Davis e ATP Cup, impôs seus golpes desde o começo, sem aquela incômoda passividade dos jogos anteriores. Destaque para a força e a precisão de suas paralelas de forehand e excepcional deslocamento para contragolpes, o que deixa claro que ele avançou na confiança e não tem qualquer problema físico. Uma vitória categórica na segunda-feira valerá ouro.
O reecontro com Kyrgios atende à expectativa de todos. Haverá pressão dos dois lados. Rafa terá torcida menor, encara um atacante por excelência e um desafeto costumeiro. Kyrgios carrega o sonho australiano, mudará enfim para a Rod Laver onde evita jogar, tem um tremendo desgaste para se recuperar em 48 horas e encontrará um adversário que o venceu em 4 de 7 duelos.
Nick fez uma batalha física e mental espetacular diante do russo Karen Khachanov, que surpreendeu pela resistência nesses dois aspectos vindo de dois jogos duríssimos. O australiano assombrou por segurar tão bem a cabeça diante de sucessivas frustrações: teve 4/2 no terceiro set para uma vitória fácil, depois match-points nos dois tiebreaks seguintes e abriu 3-0 no supertiebreak. O tempo todo Khachanov foi um gigante.
Os dois dividiram jogadas notáveis e empenho absoluto ao longo da série decisiva sem qualquer break-point até que o russo conseguiu a quebra e teve dois serviços com 8-7, repetindo a história de Federer-Millman da noite anterior. Sempre imprevisível e extremamente habilidoso, o australiano arrancou duas paralelas de backhand de cair o queixo e finalizou o jogo mais longo de sua carreira: 4h26, quase 400 pontos e em que marcou 97 winners!
A segunda-feira no entanto terá muito mais: Daniill Medvedev e Stan Wawrinka prometem um jogo de força bruta, seja no saque ou nas trocas de fundo. O russo tem pequena vantagem no histórico – ganhou os dois confrontos, ambos em Slam e em quatro sets – e vive um momento melhor. Ambos tiveram pouco trabalho neste sábado, já que o australiano Alex Popyrin se arrastou em quadra e John Isner abandonou ainda no segundo set com problema no pé esquerdo. É um jogo em que pode acontecer qualquer coisa.
Dá para esperar lances lindos e malabarismos no reencontro entre Dominic Thiem e Gael Monfils, um duelo de histórico curioso: o austríaco tem 5 a 0 nos jogos efetivamente feitos, sendo dois no piso duro, mas houve três w.o. e em apenas um o francês levou a melhor. Considero Thiem muito favorito. Enfim jogou um tênis de primeira grandeza em Melbourne diante do garoto Taylor Fritz, ainda que tenha perdido um tiebreak, enquanto Monfils passou por Ernests Gulbis num monótono duelo de fundo de quadra e mínimas variações.
E a rodada ainda terá a NextGen com Alexander Zverev e Andrey Rublev. O alemão , acreditem, ainda não perdeu set no torneio e está invicto diante do russo, com três vitórias de 2 a 0. Rublev no entanto está a mil: não perde há 15 partidas – sendo 11 na temporada, com dois títulos. Mostrou muita frieza para virar o jogo contra David Goffin, vencendo os dois tiebreaks. Tanto Sascha como Rublev já fizeram quartas de Slam, mas é a primeira vez que vão à quarta rodada no Australian Open. Se eu tivesse de apostar, iria de Rublev mas seria muito bom um resultado de peso para reanimar Zverev.
Cabeças continuam a cair no feminino
E o torneio feminino desandou de vez. E isso não é má notícia. O complemento da terceira rodada viu mais três cabeças importantes se despedirem cedo: Karolina Pliskova, Elina Svitolina e Belinda Bencic, mas nem por isso perdeu qualidade, já que Simona Halep, Garbine Muguruza e Kiki Bertens mostraram um tênis muito competitivo. E ainda há outra garota nas oitavas, a polonesa Iga Swiatek.
Halep teve pequenos altos e baixos no segundo set, mas gostei de sua maior variação de bolas. Encara Elise Mertens, contra quem tem 2-1 nos duelos, e pegaria então Swiatek ou Anett Kontaveit nas quartas. A estoniana atropelou Bencic em 49 minutos com o dobro de pontos e só um game perdido.
Anastasia Pavlyuchenkova fez um jogo feio contra Pliskova e espera-se duelo de fundo contra Angelique Kerber, que viveu dia irregular. Bem mais promissor é Bertens e Muguruza, duas tenistas que gostam de bater na bola. A espanhola chegou a Melbourne cheia de dúvidas e pode voltar às quartas do AO depois de três anos. Apesar da ascensão em 2019, Bertens não passou da 3ª rodada nos cinco últimos Slam.
Stefani mira o top 50
Destaque também para a segunda vitória de Luisa Stefani na chave de duplas, ao lado da norte-americana, o que coloca a paulista de 22 anos muito perto do top 50 da especialidade.
A última vez que uma brasileira chegou nas quartas de um Slam em duplas foi com o dueto Patrícia Medrado-Cláudia Monteiro, em Wimbledon de 1982. A mesma Monteiro foi vice de mistas em Roland Garros desse mesmo ano, ao lado de Cássio Motta.
Mas não vai ser fácil, já que as adversárias de Stefani deste domingo serão Gabriela Dabrowski e Jelena Ostepenko, cabeças 6.
Tristeza inexplicável
A nota lamentável do sábado veio com a divulgação pela Federação Internacional do banimento definitivo de João ‘Feijão’ Souza do tênis profissional, considerado culpado de diversas infrações no arranjo de jogos tanto em nível challenger como future. Para agravar a situação, a ITF teria detectado nas suas investigações, que vêm desde abril do ano passado, que Feijão destruiu provas – não teria entregue o celular para averiguação – e incitou outros tenistas a fraudar placares, resultando também em pesada multa de US$ 200 mil.
Acompanhei toda a carreira de Feijão, desde juvenil, e ele se destacou pelo espírito de luta, jogos longos e muita entrega. Marcou o recorde de um jogo de Davis e por isso fica ainda mais maluco entender como alguém que se mata 7 horas para tentar vencer uma partida que não vale um centavo possa ter depois se envolvido com a máfia das apostas.
Vale lembrar que há poucos meses Gabriel Mattos também foi banido do esporte por motivos semelhantes. E, dizem por aí, há mais 10 brasileiros sendo investigados pela ITF.