Existe o velhíssimo provérbio que afirma que um rei jamais perde a majestade. Rafael Nadal elevou isso à segunda potência nesta terça-feira ao vencer uma partida consideravelmente atípica diante de Novak Djokovic, em que diversas situações antagônicas se desenrolaram diante de um público maravilhado com a qualidade técnica e o empenho dos homens que vêm dominando o saibro de Roland Garros nos últimos 17 anos.
Djokovic pareceu acreditar que poderia competir com Rafa num ritmo moderado e foi atropelado. Dominante e ofensivo, com um backhand assustador, o canhoto espanhol abriu 6/2 e 3/0, Massacre. Baixou então a guarda no game seguinte de serviço e isso foi a deixa para que o número 1 se soltasse. Enfim bateu mais na bola, passou a trocar direções e de repente virou o placar e levou o set. Games longos e lances de tirar o fôlego recheavam a batalha, que já tinha então quase 2h30.
Era de se esperar que Nole ganhasse muita confiança, mas ao contrário quem cresceu novamente foi Nadal. O saque aparecia nos momentos importantes e isso permitia que o forehand fizesse o trabalho mais importante. Ciente de que teria que se impor, o sérvio se aplicou no saque e fez devoluções ofensivas, o que deu vantagem confortável de 3/0, 4/1 e 5/2 e um quinto set histórico parece inevitável.
Não cacifou os dois set-points do nono game e aí a coisa se complicou, porque Nadal acreditou, a torcida se inflamou e veio o tiebreak. O desempate foi magistralmente disputado pelo espanhol até o 6-1, distância suficiente para completar uma vitória empolgante. Na estatística, observe-se o rendimento muito inferior do sérvio nos lances em que jogou com o segundo saque (42% diante de 60%) e a contagem centenária de winners (57 a 48 para o espanhol).
Como já aconteceu outras vezes, Nadal chegou um tanto desacreditado a Paris, levou até um susto contra Felix Aliassime e acaba agora dando uma completa volta por cima. Não há qualquer sinal de sequelas no problema com o pé esquerdo e isso o transforma no favorito absoluto ao 14º título e ao 22º troféu de Grand Slam. O rei do saibro renasceu na Chatrier e está mais forte do que nunca.
Zverev dá show
Colocado num evidente segundo plano ao longo das rodadas anteriores, ainda mais diante de algumas atuações pouco convincentes, o alemão Alexander Zverev fez uma grande apresentação nas quartas de final de Roland Garros e se vingou da derrota sofrida para o espanhol Carlos Alcaraz na final de Madri. A realização do jogo em condições mais velozes permitiu que Sascha tirasse tudo do saque e dos golpes agressivos, ao mesmo tempo em que claramente dificultou para Alcaraz encontrar o tempo de bola ideal, já que ele só vinha jogando à noite.
A postura do número 3 do mundo foi impecável. Bateu muito na bola, soltou o forehand e não economizou pernas em busca das temidas curtinhas do adversário, logo ele que sempre mostrou certa limitação para correr à frente. Hoje, estava super ligado em tudo. Viu o jogo perigosamente ameaçado de ir ao quinto set, quando enfim Alcaraz cortou os erros e cresceu na partida, porém manteve a cabeça no lugar e não encurtou o braço. Curiosamente, na véspera, havia acusado a organização de dar privilégios excessivos ao garoto. Entrou duplamente mordido, ao que tudo indica.
Foi, a meu ver, sua melhor atuação em toda a temporada e, para coroar isso, enfim derrotou um top 10 em partidas de Grand Slam, o que jamais havia obtido em 11 tentativas anteriores. Vai disputar sua quinta semi de Slam e a segunda em seguida em Paris. O desafio agora é gigantesco: vencer Nadal na Chatrier. Ele até possui três vitórias em nove jogos sobre o canhoto espanhol, uma delas no saibro de Madri, porém perdeu as duas em melhor de cinco sets. Motivação não falta: um eventual inédito título de Slam o coroará como novo número 1.
Semi inesperada
O primeiro nome da nova geração garantido na semi de Roland Garros é Coco Gauff. Aos 18 anos, ela alcança sua maior campanha nos Slam ao ganhar o duelo norte-americano contra a experiente Sloane Stephens. Não foi um jogo excepcional, já que houve mais erros do que acertos no set inicial, mas Gauff mostra que está cada vez mais madura para os grandes momentos.
Sua adversária será a italiana Martina Trevisan. No jogo nervoso de canhotas diante da garota Leylah Fernandez, que machucou o pé logo no começo, anotou 42 winners, o que mostra sua capacidade sobre o saibro. Conforme conta Mário Sérgio Cruz no TenisBrasil, Martina ficou quatro anos afastada do tênis quando seu pai adoeceu e retornou em 2014 em torneios pequenos. Daí então seu feito já é notável.
O único confronto direto entre Trevisan e Gauff aconteceu há dois anos lá mesmo em Roland Garros e a italiana levou a melhor. A norte-americana já garantiu volta ao top 20 e pode entrar na faixa das 10 em caso de título no sábado. Dez anos mais velha e sem perder há 10 partidas, Martina saírá do 59º posto para o 26º e chegará ao 19º em caso de final.
Esperança carioca
O tênis brasileiro ainda segue vivo em Paris nas mãos do carioca João Fonseca, de apenas 15 anos. Ele entrou no torneio depois de ganhar eliminatória nacional e derrotou na segunda rodada o número 2 do ranking juvenil, o paraguaio Daniel Vallejo, com uma vistosa atuação e muita agressividade.